Sem rodeios. A declaração de Natal do Passos foi um
brilhante exercício de hipocrisia política
ao pior nível do melhor que os seus ghost writers sabem fazer. Diria que numa
escala de mediocridade, o aviso imprudente da McDonald’s aos seus colaboradores,
encontra-se num patamar mais elevado. A análise rigorosa da variação do número de
novos postos criados vs desempregados fica para os think thank de cada trincheira . Penso que
já gastei demasiado carvão sobre este tema.
“Existimos em Função do Futuro”
Jean-Paul Sartre
Quando abri as páginas hoje de manhã veio-me à memória
o travo amargo que pressenti nos
últimos dias de 2012. Meu dito, meu feito. Este ano foi um verdadeiro desastre,
a todos os níveis sociais. Apesar da tímida recuperação da economia, quando
reparamos nos números (não basta ver!) e combinamos com a realidade, é por
demais evidente que foi mais um ano em que os sacrifícios e o desespero de
muitos esfumou-se completamente face à verdade dos factos. Não entrando com a
estatística moldada pelo barro dos números, surge à cabeça um número
extraordinariamente preocupante: um novo mínimo histórico no número de partos -
menos de 80 mil partos. Para quem a demografia é algo semelhante a ciência
oculta, o ritmo de envelhecimento da nossa população é desassombradamente mais
penoso e fatal para o país do que a dívida! Pode-se culpar a austeridade, a
fraca perspectiva de futuro e sobretudo a emigração da camada mais jovem da
sociedade. Quando a taxa de renovação de gerações
se aproxima do limiar de insustentabilidade,
paulatinamente se desmaterializa o futuro de um país
Talvez fosse mais avisado o ministro das questões
sociais ou ministra das depauperadas finanças dedicassem um pouco mais de tempo
a questões da política demográfica e de incentivo à natalidade. O empenho e o proselitismo
que devotam ao alívio das prestações sociais dos aposentados (último suporte de
muitos casais jovens) e a incidência inebriante em políticas que visam liberalizar o despedimento ou o aumento do número de horas de trabalho, são
exemplos perfeitos da inabilidade para tratar de um mal maior que nos vai
afectar a médio/longo prazo. Vou lançar uma pergunta: quantas jovens empregadas
arriscam hoje em dia engravidar?
“A dor tem um elemento de vazio”
Emily Dickinson
Também não vou falar aqui no número de falências e insolvências. Todos sabemos interpretar os papéis de jornal colados
nas montras ou o significado de um espaço vazio com cadeiras num mar de pó.
"O mundo é cego, e tu vens exactamente
dele."
Dante Alighieri
Não vou falar no colossal aumento de impostos. O
resultado aparente são 0,2% de diminuição no défice. Surge-me à ideia uma
metáfora. Afinal o Gaspar tinha razão. Estava errado e cego.
"A estupidez humana é a única coisa que dá uma ideia do infinito."
Ernest Renan
Não é um relógio idealizado pelo irrevogável Portas
que vai diferenciar o sucesso ou insucesso do drama final. A tragédia promete
continuar para lá da vida póstuma da cebola do Caldas. Qualquer relógio
daqueles que se vendem no mercado da Praça de Espanha teria semelhante efeito cautelar. A ideia de uma contagem decrescente para o início de algo semelhante é prova provada que a demagogia é ainda uma ciência por explorar.
“Ser austero é
não saber esconder que se tem pena de não ser amado”
Fernando Pessoa
A austeridade,
ou na semântica da maioria parlamentar, o ajustamento
vieram para ficar, alheios ao sofrimento das pessoas, ou insensível à miséria
que se propaga diariamente. Acredito que haja pessoas, cuja realidade próxima
não lhes permita ver e sentir, o coro de silêncio e tristeza que se abate sobre
milhares de famílias portuguesas, resignadas à evidência da pobreza. A pobreza,
a tristeza é coisa que nestes dias não se sente, ou pelo menos anda amansada
pela beleza da época. O Natal amolece a alma e desenterra a purpúrea generosidade que paira inóspita do
interior de cada um de nós. Infelizmente a bondade da natureza humana é efémera, talvez Descartes tenha sido
demasiado optimista quando a apelidou de generosidade da alma.
"Nessa encruzilhada do desejo e da necessidade,
não deixes nada: não voltarás lá nunca mais."
Omar Khayyam
Apesar de todo o fel que as minhas palavras carregam,
acredito que há
um caminho a percorrer, um rumo que pode ser emendado, seja por quem chega de qualquer
uma das estradas que conduzem à encruzilhada. Apesar de tudo há indícios, luzes
ténues de um início de futuro. Confesso que a forma que nos conduziu até este
ponto de não retorno, nunca foi do meu agrado nem a mais inteligente. Mas aqui
estamos, aqui chegamos a esta sentença. Vale sempre a pena olhar para trás e
tentar explicar às gerações futuras, os desígnios de décadas de incúria que
conduziram ao aumento desproporcionado da desigualdade e pobreza. Não deixa de
ser cómico e bizarro que as personagens e actores principais desta ópera bufa (chamar-lhe-ia
tragédia grega, mas essa já está em cena no Mar Egeu!) sejam as
mesmas, ou algumas delas, que hoje decidem e arbitram o destino e a orientação
de todas as políticas no seu âmbito global. Os actores de ontem (fouding-fathers
da democracia) são hoje espectadores e partes interessadas, que nos bastidores
manipulam e definem o tom da revolta ou a pauta das leis. O Eça de Queirós escreveu
um dia, e passo a citar: “a ciência de governar é neste país uma habilidade,
uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela
intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.”. Absolutamente
actual. Não vale a pena identificar os culpados.
Eles autoproclamam-se,
pois carecem de protagonismo.
“Ora a democracia cometeu, a meu ver, o erro de se
inclinar algum tanto para Maquiavel, de ter apenas pluralizado os príncipes e
ter constituído em cada um dos cidadãos um aspirante a opressor dos que ao
mesmo tempo declarava seus iguais.”
Agostinho da Silva
A palavra flexibilizar
algures no tempo referia-se a algo com propriedades plásticas, que se moldava em
várias direcções até ao ponto de ruptura. Dado que a massa neste caso específico
é uma constante (perdoa-me Einstein!), ao aumentarmos a longitude, diminuímos
necessariamente o diâmetro. Isto dito de uma forma um pouco mais desprezível é
algo como, você passa a trabalhar mais tempo, com o mesmo dinheiro, ou então
passa a trabalhar menos tempo ganhando muito menos. Há uma terceira hipótese
metafísica, e que parece ganhar grande consistência na nossa massa empresarial:
passa a trabalhar sem tempo, sem contrato, talvez com contractos de alguns
meses, preferencialmente a recibos electrónicos (um gadget que bate aos pontos
a Bimby!) e talvez com muita sorte
daqui a uns 3 ou 6 meses possa engrossar as apetecíveis filas do IEFP. Em
termos de estatística descritiva e recreativa, contabiliza-se menos um
desempregado [para bom entendedor, há umas bisnagas de vaselina líquida com
efeito semelhante á venda em algumas lojas gourmet].
Ainda a propósito da frase acima, vem-me à memória os ecos das últimas revoltas
dos professores - um dos alvos a abater. Sou apologista da avaliação séria [nunca
por motu proprio], não aquela
encenação de bons e excelentes que mascaravam até há pouco, a avaliação dos docentes.
Prova de acesso à carreira, tal como já existe noutras profissões, não vejo
porque não, antes pelo contrário credibiliza e confere outro estatuto. Agora,
os avanços e recuos desse senhor com ar blasé
que se deixou instrumentalizar pela entourage da 5 de Outubro, apenas lhe
conferem o direito a resignar ao cargo que ocupa há demasiado tempo. Ainda a
propósito da luta dos professores, não me parece que o artigo 57.º da
Constituição refira algo a propósito de limitar ou impedir a realização da
prova por quem pretenda efectuá-la. O mesmo se aplica a quem pretende trabalhar
em dias de greve.
"Ai temos o Estado, nosso pai, autoridade e segurança"
Thomas Mann
E por
agora é tudo ou antes, um pouco de nada.
(photo by: Lewis Hine)