É com alguma acidez natural e ironia, que me despeço deste 2021 [tal como em 2020, o peixe que Ordemalfabétix me impingiu tinha a consistência e a frescura de uma alface de Chernobil]. Até podia ser sádico e relembrar alguns bons momentos do ano [que os houve; com a mesma frequência com que observamos os anéis de Saturno na abóboda celeste], mas não. Foquemo-nos nas últimas horas deste pretérito imperfeito do conjuntivo, pois não há muito predicados para recordar.
31/12/2021
2021 Ano Pandémico II
26/12/2021
Natal
Não recorras ao que já sabes do Natal,
mas coloca-te à espera
daquilo que de repente em teu coração
se pode revelar
Não reduzas o Natal ao enredo dos símbolos
tornando-o um fragmento trémulo sem lugar
no concreto da vida
Não repitas apenas as frases que te sentes obrigado a dizer
como se o Natal devesse preencher um vazio
em vez de o desocultar
Não confundas os embrulhos com o dom
nem a acumulação de coisas com a possibilidade da festa:
o que recebes de graça
só gratuitamente poderás partilhar
Cuida do exterior sabendo que ele é verdadeiro
quando movido por uma alegria que vem de dentro
Uma só coisa merece ser buscada e celebrada, uma só:
o despertar de uma Presença no fundo da alma
Por isso o Natal que é teu não te pertence
Só a outro o poderás pedir.
José Tolentino Mendonça