…verão rima com silly season, dizem! Não sei, mas num
país em que antes mesmo do início da época futebolística e da Festa do Pontal
há a época dos fogos, tudo se permite
e tudo é imaginável. Aliás, há uma forma bélica de retratar essa temporada – fase Bravo.
Bravo, bravíssimo, por cá aplaude-se a morte do verde belo. Isto a propósito de
um pedaço de terreno com meia dúzia de eucaliptos com porte bulímico, que
resiste a arder há já vários dias aqui ao lado e que já motivou a intervenção
de um helicóptero, uma carrinha envelhecida dos bombeiros e o esforço de guerra
do pessoal da junta de freguesia. Não houve feridos nem danos de maior, apenas
uma velhota de bengala que vinha com andar sofrido da benda, no momento decisivo em que do céu caiu uma queda de água.
Esta semana houve festa,
foguetório música e animação. Na sexta-feira o artista da terra não granjeou críticas muito entusiasmantes, a
avaliar pelos artigos de opinião ao balcão enquanto saboreava um café na dita benda. No sábado o elenco esteve bem
melhor, ritmo festa de aldeia, duas bailarinas voluptuosas a hipnotizar os pais
de família mais austeros, e as letras brejeiras em contraste com a santidade do
evento. Café do clube de futebol da terra, cheio de garrafas vazias e no
balcão, alternavam pires de amendoim com histórias da Chuissa e da Françia com
o sotaque da terra.
Domingo, a mercearia nesse dia
estava vazia, por norma a manhã é devotada às cerimónias religiosas, a tarde ao
paganismo, mas antes a procissão e sermão comme
d’habitude. Enquanto saboreava um dominicano fumo, e lia Bolaño, ainda consegui
espreitar um pouco do sermão: temas pungentes- o pecado, o inferno & as
tentações. No final, a procissão em que metade dos devotos desfila por
convicção e outra por obrigação.
Há um costume que me fascina e só
encontro por estas bandas, por entre um mar de flores, Nossa Senhora segue o
passo cadenciado da fanfarra, segurando um belo rosário carregando notas de
euro. Podiam ser títulos de dívida pública ou coco bonds, mas não deixa de ser subliminar esta devoção ao capital
financeiro.
As festas de aldeia são das coisas
mais fascinantes que existem: metade encosta-se nos cantos do adro, de braços
cruzados como que se refugiando num olhar contemplativo, e outra metade observa
as moças que dançam no palco e os pares de mulheres casadas e raparigas
solteiras que desesperam pela falta de um pé de dança masculino. Os homens por
sua vez, bebem uma cerveja no bar do clube, entre remoques sobre a última
contratação do Benfica ou a discutir as estórias do ano que passou. O ano tem
duas metades, antes da festa de depois da festa. No meio fica o olhar vazio do
homem que vende balões. No ar respira-se um aroma doce a pipocas.
Finda a festa, a aldeia volta aos
seu ritmo frenético, o amanhecer com a luta desenfreada dos galos, o sino a
cantar a marcha do tempo, o melro a acabar com o resto da fruta que ainda
resiste aqui no pomar e o gato da vizinha à espera que lhe traga um resto de
qualquer coisa do jantar de ontem. Na mercearia, a velha está sentada e vai
ditando a ladainha do costume, três
trigos, um manteiga, um pacote de arroz e um pouco de queijo fatiado.
Aqui ao lado, o resto da caruma
ainda fumega. Mesmo assim o casal de corvos ainda por cá pernoitou. Devem estar
de partida, pois o barulho dos tractores já se faz ouvir com alguma intensidade
e o homem do peixe já passou com a buzina encravada. O sino acabou de tocar, ai
vão eles…os corvos. O verão acabou…nos próximos dias vai chover, e nos
restantes também. O verão acaba quando entramos de férias. Começa quando
acordamos na azáfama do primeiro dia de trabalho.