29/08/2010

...folha em branco

…ainda tentei encontrar-te, por entre o ondular do estorno, mas o vento empurrava-me de volta ao mar, esse paraíso imenso de solidão que o sol reflecte como se um mar de prata se tratasse. Na riqueza do teu olhar, inspirei-me, e nos finos grãos de areia escrevi um poema de palavras que soçobraram com maré. Torrente imensa de pensamentos, que me afundou na leitura de um livro que o vento carregava, entre páginas e páginas de mistério e beleza. Abri a porta e no mais recôndito lugar da mente, comecei a premir tecla após tecla, o principio e o fim de uma singularidade.


Nas minhas divagações lunares, por entre cidades misteriosas e ruas silenciosas, o som dos teus passos imaginei ao cruzares as ruas de granito sufocante. Senti teu olhar luzidio nas sombras, foquei o gesto sublime e a doçura do teu percurso, rua acima por entre janelas que te contemplavam e portas que se abriam na minha imaginação.


Ficámos sentados, junto à esplanada na praça central e ali permanecem, entreolhando silêncios que se cruzavam com o lento caminhar das horas, que o tempo se encarregava de consumir. Findo o dia partimos, cada um para o seu recanto, silenciosos e dissimulados na multidão que varria agora as ruas desse lugar, cujo som ecoava no bater das teclas.


Eu fiquei. Apraz-me ver-te partir nem que seja em sonho. A despedida é algo que não se escreve, o mesmo sucede com a saudade. Imagina-se, sente-se mas não se transcreve. Ao longe, consegui discernir um último fôlego para o parágrafo final: um por do sol à beira mar numa folha branca cheia de nada. Apenas silêncio.

22/08/2010

...no final da estrada para Damasco

o dr. Alberto acha que o Passos Coelho vai dar um bom PM. eu também concordo, desde que não seja com essa proposta aberrante de remodelação [um adjectivo mais consonante com o radicalismo da pena do escrivão contratado para o efeito] constituicional, nem com a prossecução da política esfoliante de impostos que nos últimos anos me tem adelgaçado. a insistência nessa via pelo do vendedor de sonhos actualmente inquilino de São Bento, apenas ilude os seus prosélitos e todos aqueles cuja ignorância é douta sapiência.



depois de ontem ouvir o seu discursos analgésico em Mangualde, não ficam dúvidas que o país que espreito lá fora [enquanto engraxo os sapatos da nova colecção Outono/Inverno], está bem melhor do que aquilo que os números reflectem. ainda pensei que fosse um golpe de sol, mas não. eu estava era rodeado de areia numa praia deserta, repleta de fauna estival de espanhóis, franceses, brasileiros e outros tantos portugueses, e do céu choviam flores por entre nuvens de um arco-íris cor de rosa. o único senão era o vento que insistiam em desfraldar as folhas do caderno da economia, enquanto me deliciava com uma sereia que por passava.

refugiado das minhas curtas férias de floresta queimada e foguetório, sinto já o formigueiro das intermináveis filas de trânsito enquanto leio serenamente de pé no meu expresso do oriente, mais um livro que olfacto na livraria. já tenho uma mão cheia de títulos a salivarem na minha curiosidade [bastam dois para encher uma demão]: Diário de um homem supérfulo de Ivan Turgéniev e um título na língua materna, A Máquina de Fazer Espanhóis do valter hugo mãe. entretanto e depois de mergulhar no mundo de Cortázar, vou agora derrimir umas horas com a Sombra do Vento do Zafón. e de pasta de papel estamos resumidos, porque da outra, nem chama!

?voltando à nossa estrada para Damasco, questiono-me como é que em apenas 5 meses [o resumo deste ano para esquecer] o nosso ministro da fazenda vai resolver o endémico problema das finanças públicas? convenhamos, mais 13, 5 mil milhões de euros até o governo ir a banhos, é uma ópera bufa. não sei se temos tenores e barítonos com capacidade para transformar esta comédia burlesca em algo mais sério. entretanto, estendamos as nossa esteiras e ouçamos os bobos da corte enquanto prossegue a silly-season veraneante. começa a ser um lugar comum ver estas picardias de camisa com botão desapertado, em tom de pele morena e pelo ao vento, interrompida por uns breves mas caloroso aplausos mais motivados pelo copo de vinho e lasca de fêvera no dente, do que pela razão e lógica das palavras suadas.



pessoalmente, prefiro a envolvência de uma bela paisagem refugiado no silêncio de um amontoado de pedras envolvidas pelo tojo agreste que brota do monte. sinto-me mais esclarecido, com as pinceladas no céu, e com o vento que leva os sons ancestrais do trabalho do campo. entre o discurso político inquinado, e o arfar das notícias de época, sinto-me nais refrescado com o escorregar da água do mar por entre os canais que sulcam o areal. mas como tudo na vida, no momento seguinte abrimos os olhos e a tinta se esvai no último predicado, no último sopro de tranquilidade...depois basta abrir a mente, arejar durante alguns minutos e sentir os aromas a envolverem-nos num bailado de olhares cúmplices, enquanto o beijo sedutor nos empurra escada abaixo até ao precipício. no momento seguinte o despertador toca e o último click faz-se ouvir...

20/08/2010

..desfolhar a lua

Eu pronuncio teu nome

nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Garcia Lorca

....lettre à Sakineh

... juste un bref commentaire



... N'est-ce pas la première fois que l'inconscience du régime iranien viole les droits les plus fondamentaux des femmes. La douleur est grande et les visages s'attarder dans la mémoire de ceux qui souffrent quotidiennement de l'hostilité d'une politique de nommage rabougris par la poussière de l'ignorance.

 C'est un autre visage à écrire sur le mur de l'hypocrisie de ceux qui blanchissent le régime iranien?

18/08/2010

...ao fundo do túnel, um sonho

…entramos no sonho , como quem entra numa gruta em que apenas uma ténue luz ao fundo nos separa da realidade. Tal como no conto do Carol Lewis, tudo parecia grande tudo parecia mágico. Nas paredes, sonhos de crianças, paisagens bucólicas. Sentámo-nos e a rapariga do avental começou uma história interminável, por entre sorrisos e olhares que nos fascinavam em cada frase que irradiava. Sentei-me no meu silêncio e comecei a entrar num mundo aparte, enquanto folheava todos os livros da sua estante. Este li, aquele também, aquele gostava de ter lido. Lá fora o sol cintilava num campo de milho, cá dentro outro sol serpenteava pela sala enquanto a rapariga do avental saltitava de local em local, entre história e estória. Entretanto a sua irmã chegara, e com ela a maresia que ondulava nos cabelos que gentilmente segurava, como algas que a maré trás e leva. A tarde prosseguiu, e cada vez mais o sonho se adensava. São tão diferentes – pensei. Uma a serenidade de uma praia deserta, o som que o mar ao longe irrompe em espuma que o vento leva. A outra, uma explosão de cor verde sol que carrega aos ombros, enquanto voava em tons de imaginário irrequieto. Assim como o vento leva as nuvens no azul céu e faz cantar as folhas de uma primavera amarelecidas pelo calor do verão, assim ela saltitava da sua concha, descalça casa fora, de móvel em móvel à medida que o seu tom de voz enternecedor fumegava encantos que nos apetece ouvir até a noite cobrir o negro manto do seu olhar. Entretanto, lá fora o relógio da velha igreja cantava sinos de louvor. Era hora. Ao fundo no túnel já se vislumbrava numa espiral de luz, o fim de um sonho, mas antes um chá da tarde num pé de dança de risos e contos. Quando abri os lhos, a rapariga do mar já nos transportava foz abaixo, e com um longo abraço de mar deixou-nos numa baia de saudade que estou certo que um dia há-de voltar a aportar.

10/08/2010

...a ilha

Aquilo de que eu gosto no teu corpo é o sexo.
Aquilo de que eu gosto o teu sexo é a boca.
Aquilo de que eu gosto na tua boca é a língua.
Aquilo de que eu gosto na tua língua é a palavra.

Julio Cortázar

09/08/2010

...dantes quando o sino tocava

…estivessem as estrelas adormecidas no profundo sono da noite, ou o sol no seu ponto mais alto, o sino repicava insistentemente com a presença de um fogo no alto do monte. Os chefes de família logo tratavam de acordar os mais empenedridos na constelação de sonhos, ou o jovem pastor deitado em nos pensamentos à sombra do carvalho enquanto vigiava o rebanho que fazia das suas, na seara do vizinho. Era um tempo em que a entreajuda era lei e o clamor do sino a todos diria respeito, pois o bem de uns era tão importante como o bem comum. E lá iam monte acima apagar o fogo que alguém por leviandade ou por mera maldade teria iniciado. Nesse tempo, o monte era o agreste tojal que alimentava as camas dos animais, abrigo de rebanhos em tempos de escassez, e que em última instância seria o estrume que alimentava o pão de muitas bocas famintas. A floresta por seu turno era o guardião da vida, fonte de rendimento para muitas casas e calorosa companhia nas noites frias e húmidas de inverno. As fagulhas as pinhas alimentavam as conversas de serão e aquecia o coração desanimado de quem lutava pela vida e ansiava por um futuro melhor para os seus. As famílias eram numerosas, braços que ritmavam a terra no tempo das lavras, vozes que cantavam as desfolhadas e pernas que derramavam o vinho que matava sede e alimentava a alma. Era o tempo em que a ordenha era madrugadora, e o caminho trilhado descalços até ao posto do leite, eram as migalhas de farelo e a farinha do capoeiro. Esse ritual diário, ponto de encontro das moças namoradeiras vestidas com a melhor roupa, manto de longos olhares de corte e sedução, mas descalças. Quantas promessas foram cantadas, quantos poemas escondem as pedras que o inverno e a chuva amoleceram e moldaram nesse trilho que hoje percorro a pé. Eram os tempos da junta de vacas que vagarosamente lutavam “contra a mosca”, carregadas até à exaustão do milho e a carocha monte acima já noite dentro. Eram o tempo em que os pés descalços encaminhavam a água das poças no lameiro, em que uma toalha de de água escorria no verde prado de lima coberto de pequenas flores e sonhos.

Esse tempo acabou. Agora sobram os casebres abandonados, despidos de vida, rodeados de mato e silvedos. O sorriso das crianças de outrora ouvem-se ao longe, e nem o sino da igreja conta o passar do tempo como ontem. Sim, parece que foi ontem. Sobra o barulho dos carros ao longe, na estrada emergiu da vontade de alguns e que manchou a pacatez da aldeia. Ouve-se um ou outro tractor que diariamente leva o mato, e pouco mais. O fogo come a terra, e o sino já não dobra pela vida de outrora. Aparentemente tudo se perdeu no esquecimento, e já nada nem ninguém acorda da letargia em que o presente caiu. É triste quando o passado recente só se revive como uma fábula do antigamente. E isso vê-se nos rostos de quem conta. Ouve-se a tristeza em cada palavra. Já não há presente, apenas um “dantes quando sino tocava…”.

04/08/2010

...folhas soltas num banco de café

…ainda pensei urdir umas quantas linhas de alfarrabistas, já que ainda não me habituei a todas as subtilezas do Office 2010, mas enfim rendi-me aos benefícios de poder escrever sob o canto das estrelas e um mocho que não para de me saudar.




Hoje não esteve calor, calor é uma abstracção inventada pelos fabricantes de limonadas e gelados, digamos que hoje coagulei os meus pensamentos enquanto me deleitava com uma francesinha no café Vianna e um fino escorregadio, por entre palavras e ideias numa mesa redonda de escárnio e baixa política[nada de futebol!]. Calor, era lá fora, na zona dos chapéus & ementas que se perdem na tradução para francês corrente do bacalhau à minhota ou a vitela estufada com ervilhas. O barómetro estava de tal forma agressivo que um pombo rompeu as barreiras da decência e colou-se à minha mesa ávido por um pedaço de pão que ainda lhe deu luta, até que a empregada o enxotou porta fora, no meio de um choro de uma criancinha que viu nele o companheiro de brincadeira. Após o repasto, rua de Souto abaixo para dar uma mirada na Loja das Bananas [local de culto!] e mais uns quantos cliques na objectiva. De caminho, já o sol quebrava o ânimo serra acima. Chegados ao chalet de montagne, mais uns quantos hectares de floresta a crepitar. Estranho prazer para esses pirómanos que poderiam perfeitamente ter o mesmo fim que os infiéis e personagens desavindas nos autos de fé! Esses, muitas das vezes pobres inocentes de um desvio de razão, má fortuna os bafejou. Outros tempos, régia justiça. Curioso destino o meu respirar o mesmo ar e pisar o mesmo chão onde outrora, o Exmo. Sr .Juiz da comarca remetia para a forca.

Mas mudando de assunto, não tenho visto o que se passa pelo mundo, acredito piamente que ele também não esteja interessado nas minhas motivações, mas sinto um brilho de alívio por me sentir bem nesta plácida condição de extrema ignorância. Sabe bem, acordar sem pensar no que aí vem, sabe melhor ainda pensar que amanhã tenho um muro para pintar. Pode não ser tão interessante com sentir o repouso do mar num fim de tarde na Meia-Praia, mas é igualmente motivante sentir que cá dentro tudo corre bem. Lá fora, não sei. Ainda não folheie o jornal hoje e já se faz tarde. Amanhã logo vejo, consoante de que lado empurra o mar.


PS: parabéns Mano!

01/08/2010

..parabéns avó



...e como as avós são as nossas segundas mães...

No mais fundo de ti,

eu sei que traí, mãe


Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.


Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.


Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.


Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.


Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.


Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!


Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:


Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.


Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,


Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.


Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade

...milagres de um santo desconhecido

...por estas paragens existem duas formas saudáveis de acordar: ou por via do toque do sino da torre da igreja [que o senhor abade insiste em calar de madrugada para não interromper o leve sono dos fiéis] ou por causa de um qualquer ditoso galo mais madrugador que ao romper da aurora e das restantes amigas, entra em disputa com o galo do galinheiro vizinho, cena que se prolonga dia fora até que um deles deite a tolha ao chão, ou seja vitima de um arroz de cabidela. Seja de uma forma ou outra, bem cedo desci até ao vale para refrescar a memória da vila e sentir o pulsar do rio. Estava no mesmo local, mas aparentemente cresceu para o rio que a viu nascer. Desta vez os ideólogos da câmara decidiram dar uns retoques estéticos no rio e preparam-se para diminuir a secção do leito de cheia com um murete que segue rio abaixo, passando e obstruindo parte da parte medieval da ponte histórica de Ponte de Lima. É de bradar aos céus e à inconsciência desta gente! Mas este tipo de intervenções divinas dos santos milagreiros da vila são apenas a ponte do véu de "obras menores" que a cabecinha desta gente anda a congeminar. É pena pois a vila merece mais e o areal [com ou sem carros], não necessitava de aromatizar a sua matriz áurea, com mais uns quantos metros de pasto citadino, ou meia dúzia de cais em paliçada a bordejar as águas do Lima para turista se poder sentar enquanto toma o seu refresco de vinho verde à pressão e se afoga num prato de rojões. Como se não bastasse o general Decimus Iunius Brutus [alter-ego do anterior inquilino do Paço] ficar por vezes com a água pelas caligae, parece que a actual vereação pretende dar água a todos aqueles que lutam pela preservação do traçado  arquitectónico da vila. O que se segue? Ecrãs planos com publicidade estática no Largo do Camões e projecção de jogos de futebol? um parque infantil no largo da Igreja Matriz que ainda tem espaço?Colocar a feira no topo da vila? Se o objectivo é valorizar as margens do Lima, mantenham feira com a peculiaridade de sempre, baixem as tarifas pornográficas que cobram aos feirantes. Deixem a vila respirar com a mesma dose de romantismo que os poetas a cantam. E por favor não estraguem mais, tá?