26/01/2020

...tudo são números


“Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,/ não há nada mais simples./ Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.”
Alberto Caeiro
A social-democracia em Portugal confunde-se um pouco com o socialismo à moda portuguesa, pois ambos advogam a distribuição de dinheiro pelo Estado, ainda que no caso socialista, a devolução desse “investimento social” não seja uma preocupação, já que depois da catarse seguir-se-á sempre uma punção fiscal, ávida de obter esse diferencial nos anos seguintes.
O bom social-democrata [nos países nórdicos] multiplica funcionários, aumenta pensões, acrescenta subsídios, e acumula contratos e parcerias privadas. Privatiza com moderação, um pouco mais do que um socialista [daqueles que não seguem a religião à letra]. Se com os primeiros governos socialistas tivemos as prim
eiras reversões das nacionalizações do PREC, com os governos sociais-democratas 80-82 e sobretudo na década de 90, tivemos a maior entrada de funcionários públicos, a tal classe média que importava conquistar [“o centrão”].
Infelizmente [é dispensável a prova dos factos] para grande infelicidade nossa, o socialismo democrático (não confundir com o socialismo mais à esquerda) e social-democracia têm conduzido os destinos do nosso País nas épocas erradas.
Por exemplo, os primeiros governos socialistas do post 25 de Abril, [na, escala geológica serão os primeiros segundos entre o PREC e ao amanhecer os anos 80] até à chegada da primeira comitiva oficial do FMI, tudo parecia um “mar de rosas”, até que de um dia para o outro passamos a falar novamente sobre a crise [tema recorrente desde a batalha de São Mamede]. A entrada da comitiva da sra. Ter-Minassian, tinha como objectivo corrigir os desequilíbrios macroeconómicos, orçamentais e financeiros, em linguagem financeira, a bancarrota resultante do impacto da crise petrolífera e os devaneios económicos dos anos do PREC.
Em suma, o grande problema é o facto da social-democracia só chegar ao poder em épocas de crise, tal como sucedeu em 2011, depois do deslumbre dos governos socialistas.
A oratória financeira ensina-nos que em anos de contenção financeira, é prudente congelar ou diminuir a despesa pública e, em simultâneo implementar medidas de apoio ao investimento privado e exportações – ou seja apimentar um pouco de neo-liberalismo. E é exactamente isto que raramente foi feito, com a honrosa exepção da social-democracia e democracia cristã.
As [duras] medidas implementadas [com uma forte componente neo-liberal; doutrina delineada pela troika mas negociada pelo socialismo] tiveram um impacte demolidor na economia e na vida dos portugueses e de certa forma consumaram um corte com a trajectória de descalabro da economia portuguesa. Mas infelizmente a ortodoxia neo-liberal suplantou a social-democracia [é melhor nem referir qual a componente de doutrina social cristã, porque não houve] e acabou por ser vítima de si própria.
Em 2015, [qual Pilatos], o socialismo democrático lavou as mãos e facilmente tomou novamente as rédeas do poder, num golpe de mestre ao aliar-se com o socialismo ortodoxo, o mesmo que nos anos 70 ficou na gaveta. O trunfo da esquerda, sobretudo do socialismo é o facto de em Portugal, o partido social-democrata [exceptuando um curto período] não conseguir deixar de ser neo-liberal.
Não é preciso citar Thomas Piketty ou Joseph Stiglitz, para chegar à conclusão actualmente, para a maioria da sociedade portuguesa a social-democracia tem uma reduzida capacidade de gerar uma sociedade melhor. De facto, a narrativa central da social-democracia que aponta para a redução gradual das desigualdades não teve reflexos nas últimas décadas, pelo contrário.
Dado que o espaço do centro é hoje o feudo do socialismo, rapidamente se entende que o fracasso da social democracia e da democracia cristã [mais de direita], são o viveiro e o caldo ideal para a génese de de idelologias populistas e mais radicais.
O socialismo não é antídoto para as desigualdades sócio-económicas e a social-democracia não é uma corrente neo-liberal. O problema de Portugal é questão de números num tempo errado. E tempo é uma constante interminável.