O dia começou outonal, cinzento e
ventoso, mas o anoitecer vai ser em tons quentes de terra.
…de entre as conquistas da
madrugada do primeiro dia do resto das nossas vidas, a urna e a cruz na folha de papel reciclado surgem como os símbolos mais religiosos o actual regime jacobino podia ter preservado. Os crucifixos nas escolas foram os primeiros a obliterar. Não obstante asprojecções, confesso o meu pessimismo sobre o resultado de hoje.Daqui a uns meses vamos
voltar a sentir o silencioso grito de mudança, e provavelmente uns meses depois,
nova consulta para rectificar o voto tempestivo deste dia de Outono.
Vinte e
quatro horas de reflexão, é tempo demais, uma maçadora aula de yoga, Por mim, tinha sido já ontem, no início do verão, ou no bar da praia por entre um café e o pregão do homem das bolas de Berlim. Mas não foi. Culpem o futebol, culpem o tempo, quem quiserem,
mas não são eles que decidem. Sou eu.
Dei-me ao trabalho de ler ambos
manifestos eleitorais, o resto é pura utopia Obviamente não me revejo no modelo
liberal que ambos defendem, de forma mais ou menos encapotada no PS, deliberada
no PàF [a sigla mais idiota criada nos últimos anos, mas um resultado
absolutamente brilhante!].
Ponderados os prós & contras, não há dúvidas que
seria demasiado arriscado apostar no pensamento económico do Centeno, já para
não falar da desilusão sentida mal se começou a aprofundar aquilo que parecia
ser um programa com pés e cabeça [o Triunfo dos Porcos trunfo que acabou por uma versão atabalhoada do 1984 com telhados de vidro].
Apesar de ser a única proposta com um cenário macroeconómico
minimamente detalhado, e não um conjunto de boas intenções e de frases politicamente
polidas. Ficou aquém das expectativas. Já para não falar no simples facto de não ter sido lida por quem de direito, de forma aprofundada. Como tudo na vida, nem tudo o que luz é ouro. No caso concreto
enferma de alguns buracos negros, e zonas cinzentas que ainda hoje carecem de
explicação. Um pouco à semelhança daquele primeiro cartaz que incendiou
definitivamente o início da desastrosa campanha rosa.
A “Agenda para a década” enferma
de alguns males pré-anunciados e expectáveis:
- Política centrada no “consumo interno” em vez
de orientada para a poupança das famílias [muito útil para os nosso congéneres
europeus, sobretudo para os fabricantes de gadgets electrónicos e automóveis;
veja o boom verificado no mercado
automóvel no primeiro semestre!];
-Não adiante muito sobre a competitividade das
empresas nacionais, sobretudo a sua internacionalização [veja-se a descida da
TSU e o que isso implica];
- Mantém a mesma filosofia que nos conduziu ao
desastre do “compre agora e pague depois”;
- Cria instabilidade ao nível da fiscalidade
ou anunciar medidas temporais, receita que tem sido explorada até à exaustão
pelo actual Governo e que foi um dos principais motivos pela erosão provocada
nos eleitores que agora lhe retiram a maioria absoluta;
- Apresenta uma inusitada diminuição das
receitas da SS [à semelhança do programa do PàF] mas a uma escala ainda mais
impressionante;
- Não apresenta uma mais-valia relativamente a
sectores tão importantes como agricultura, pesca, indústria;
- Está demasiado colada á lógica
que nos conduziu ao desastre de 2011 [nome mais cândido que encontrei para
definir bancarrota!].
A "Agenda para a década" até pode
ser um documento bem estruturado, mas falta-lhe aquele lúmen de esperança, e
isso nunca foi suficientemente explanado em duas semanas. Antes pelo contrário.
Passamos o tempo a discutir fait-divers,
notícias de jornais, "não histórias", "não assuntos". A riqueza do debate
esfumou-se numa mão cheia de nada, de punho erguido.
Assim é difícil passar qual tipo
de mensagem. A lógica afunila num discurso afónico. Sem estilo.
Do outro lado, temos um Governo
que seguiu aquela lógica maquiavélica, dos fins justificam os meios. Guardou
fechada a sete chaves a social-democracia e embicou na lógica liberal da
TROIKA, num esforço que deu bons frutos em algumas matérias, mas que deixou um
rasto de destruição na sociedade portuguesa. Não vale a pena enumerar.
Mas conseguiu
reerguer o desaurido orgulho nacional. Isso conta. A ditadura das finanças ainda
não terminou. Apenas continua de forma mais serena, mais estendida no tempo. É
um sussurro, ontem era um grito constante em letras garrafais.
Amanhã a vida continua, na Lapa e no Rato. Nos outros locais, logo se vê, dependendo do reflexo do dia de hoje.
To
do our country loss; and if to live,
The fewer men, the greater share of
honour.”
Henry V,
Act 4 Scene 3