11/10/2020

..nós vs eles

O sublime e o óbvio são factos tremendamente perigosos. É estranho o que se passa actualmente em Portugal e um pouco pelo mundo fora, em que a ideologia de extrema direita com a aura de populismo pop tem vindo paulatinamente a tomar conta das agendas de discussão, numa primeira abordagem e, com uma redobrada dose de marketings nas redes sociais, a tomar lugar na agenda política e, nalguns casos no controlo de governos.

O discurso é de facto bastante agradável e subliminarmente polido para ser quase libidinoso. Ilude e mascara uma realidade que há muito devia ter sido abolido, mas que, por insondáveis razões, mantém um conjunto de fiéis e ideólogos que operam na sombra de forma a dourar o discurso. O perigo para a democracia reside no facto de algumas das ideias e políticas que advogam puderem ser consideradas tão óbvias quanto normalizadas. Tal como nos anos 30 do séc. XX, este neo-nacionalismo, anti imigração, racista, xenófobo e homofóbico, tem um enorme impulso com crise económica de 2008 e nas repercussões das sucessivas vagas de refugiados na Europa - nós contra elesOs alicerces da política social europeia foram erguidos com base nos valores do humanismo, na liberdade, no multiculturalismo e na defesa intransigente dos direitos humanos. Tudo valores que vão contra a ordem natural defendida por estas novas seitas. O belo acalma, o sublime excita, e apesar de tudo há é pouca gente para dar por isso! Ou então caíram no engano de se deixar seduzir pelo factor novidade sem medir as consequências todo o racional sociológico que se esconde por detrás destas ideias aparentemente refrescantes.

Mais triste é quando nos apercebemos que, por cá, por detrás desta nova face da extrema-direita, estão rostos ligados a movimentos da igreja cristã, em clara oposição a tudo aquilo que defende o cristianismo.

Nem de propósito foi publicado este mês uma nova encíclica: Fratelli Tutti – que, por coincidência temporal, ou talvez não, anuncia-nos um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço; nele declara feliz quem ama o outro, «o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si». A fraternidade, esse conceito tão maçónico não tem a mesma química etérea que a violência e repulsa por tudo aquilo que é diferente – os outros não carregam a nossa marca.

O nós é, sem qualquer tipo eufemismo,  uma espécie de horror delicioso, que cresce até tornar-se algo gigantesco se não for quebrado. Como diria Newton, aquele que vê mais longe é aquele que se apoia nos ombros de gigantes. E de facto, é perturbador o que se vê e ouve hoje em dia, mais assustador, quando nos apercebemos que é tão óbvia a ameaça que paira no ar e no silêncio que gera em alguns sectores da sociedade acima de qualquer suspeita. 

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