21/12/2025

Lucas 10

 

A Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10), apresenta um Samaritano - para quem faltou à catequese, era uma nação  desprezados étnica e religiosamente, aliás eram considerados pelos restantes povos judaicos como impuros – como aquele que interrompe o seu caminho, se aproxima da vítima, trata as feridas, paga a estalagem e assume custos futuros, enquanto as ditas  “Pessoas de Bem” [utilizando um tema em voga por alguns energúmenos]  passavam ao lado, sem se preocupar. Penso que todos aqueles que, tal como eu atingiram os mínimos olímpicos da catequese (doutrina, lá para as altas montanhas do Norte), o ensinamento central que se retira desta Parábola é que o próximo não é apenas o membro do próprio grupo, mas qualquer pessoa em necessidade, incluindo o estranhos ou estrangeiros [vamos alterar o nome e chamar-lhes agora “emigrantes”; do outro lado do Atlântico são aliens, dai que suponho serem algo como seres esverdeados, luminosos e bastante perigosos, acabados de sair de uma nave ou teletransportados de outra galáxia mesmo aqui ao lado?].

Fazendo a ponte com a parábola, a pergunta que se impõe é “quem é o meu próximo?”, no entanto Jesus Cristo amplia o debate referindo que o importante não seria limitar quem conta como próximo, mas tornar‑se próximo de quem sofre, independentemente da origem. Por esta altura já muitas almas sedentas de um bom progrom ou duma épica kristallnacht contra os infiéis deve estar a revirar os olhos e tentar um argumentário para descalcificar a minha dedução lógica. Efectivamente o discurso anti‑imigração dominante na direita europeia faz precisamente o inverso: redefine o estrangeiro como ameaça, concorrente ou “invasor” [daí talvez o alien?], e legitima virar a cara ao sofrimento de refugiados e migrantes, venham, eles de que parte for, mas com mais fervor nacionalista se forem não europeus.

O Samaritano ultrapassa as fronteiras étnicas, religiosas e políticas para agir com misericórdia, palavra que  a cultura de cancelamento ultraconservadora evaporou do dicionário político. Digo isto da mesma forma que critico duramente grande parte da surreal cultura woke de esquerda que infectou a sociedade europeia! Continuando o raciocínio, muitas propostas política de encerramento das fronteiras, criminalização de pedidos de asilo, externalização de controlos e recusa de desembarque de pessoas resgatadas, p.ex., no Mediterrâneo,  institucionalizam o contrário: distanciamento, seletividade e indiferença perante a vulnerabilidade. Ainda relativamente à políticas migratórias, tenho que efectuar desde já uma manifestação de interesse: sou absolutamente a favor de um controlo rigoroso sobre quem entra e quem sai. Sou ainda a favor da expulsão de quem se encontra ilegal, excepto em situações em que decorram processo de legalização. Sou ainda a favor do reagrupamento familiar. Nada disto colide com a lógica cristã, e por favor não me venham pedir satisfações teologicas sobre a Fuga para o Egipto (Mateus 2), pois não há registo que tenham sido expulsos pelos serviços de fronteira do praefectus Aegypti Gaius Turranius.

Em suma, a parábola em causa direcciona-nos  para uma ética da responsabilidade concreta – ver, compadecer, cuidar, etc. – em oposição, boa parte do discurso anti‑imigração procura despersonalizar, ostracizar, desumanizar.

Para os incautos e alguns ditos doutores da razão e moral cristão, por favor, leia bem “O Catecismo da Igreja Católica”. Assim muito rapidamente, a doutrina social articula dois princípios: o direito de as pessoas procurarem condições de vida dignas, incluindo migrar e o direito e dever dos Estados regularem os fluxos em vista do bem comum, sem negar a dignidade e os direitos fundamentais do migrante.

Não se trata apenas de filantropia, mas de um dever moral muito bem enraizado nos Evangelhos.

Mais, a doutrina cristã também reconhece que os Estados podem estabelecer limites prudenciais, mas rejeita políticas que desumanizam, exploram ou deixam sós quem foge da guerra, das perseguições ou da miséria extrema. Eu diria que à luz destes ensinamentos, qualquer discurso que apresenta migrantes como ameaça, legitima a sua rejeição sistemática , mas sobretudo  normaliza a indiferença diante do seu sofrimento. É preciso invocar que não colhe qualquer  acolhimento coerente na ética cristã? Lá está, o problema, ou melhor a solução  é que o buraco da agulha, não pode ser uma avenida ao estilo da arquitetura soviética (extensa e brutalmente larga), mas apenas uma porta que recebe e acolhe quem chega, de forma digna e justa. Caos contrário, serão 70x7 aqueles que gritam hossanas pela desordem e a insegurança.

Para aqueles que temem a islamização do nosso País europa, um recado: caros cruzados,  não temam. A ética islâmica sublinha que,  dar refúgio a quem foge de perseguição ou injustiça é um dever da comunidade muçulmana; a proteção deve ser concedida mesmo a não crentes, sem discriminação de religião, etnia ou nacionalidade. Aliás, o Alcorão louva os habitantes de Medina por amarem “aqueles que emigraram para junto deles”, preferindo os refugiados a si próprios mesmo estando em pobreza, e apresenta a fraternidade, a compaixão e a hospitalidade como exigências éticas para com o estrangeiro. Em parte, são doutrinas com uma visão paralela, ou quase, ainda que em patamares distintos.

O estrangeiro não pode ser uma ameaça abstrata, não devíamos generalizar a suspeita, com toda honestidade teológica pois esses nunca foram fundadores da Europa. Outrora, fomos e ainda somos estrangeiros noutras geografias.

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