A Parábola do Bom Samaritano (Lucas
10), apresenta um Samaritano - para quem faltou à catequese, era uma nação desprezados étnica e religiosamente, aliás eram
considerados pelos restantes povos judaicos como impuros – como aquele
que interrompe o seu caminho, se aproxima da vítima, trata as feridas, paga a
estalagem e assume custos futuros, enquanto as ditas “Pessoas de Bem” [utilizando um tema em
voga por alguns energúmenos] passavam ao
lado, sem se preocupar. Penso que todos aqueles que, tal como eu atingiram os
mínimos olímpicos da catequese (doutrina, lá para as altas montanhas do
Norte), o ensinamento central que se retira desta Parábola é que o próximo
não é apenas o membro do próprio grupo, mas qualquer pessoa em necessidade,
incluindo o estranhos ou estrangeiros [vamos alterar o nome e chamar-lhes agora
“emigrantes”; do outro lado do Atlântico são aliens, dai que suponho serem
algo como seres esverdeados, luminosos e bastante perigosos, acabados de sair
de uma nave ou teletransportados de outra galáxia mesmo aqui ao lado?].
Fazendo a ponte com a parábola, a pergunta que se impõe é “quem é o meu próximo?”, no entanto Jesus Cristo amplia o debate referindo que o importante não seria limitar quem conta como próximo, mas tornar‑se próximo de quem sofre, independentemente da origem. Por esta altura já muitas almas sedentas de um bom progrom ou duma épica kristallnacht contra os infiéis deve estar a revirar os olhos e tentar um argumentário para descalcificar a minha dedução lógica. Efectivamente o discurso anti‑imigração dominante na direita europeia faz precisamente o inverso: redefine o estrangeiro como ameaça, concorrente ou “invasor” [daí talvez o alien?], e legitima virar a cara ao sofrimento de refugiados e migrantes, venham, eles de que parte for, mas com mais fervor nacionalista se forem não europeus.
O Samaritano ultrapassa as
fronteiras étnicas, religiosas e políticas para agir com misericórdia, palavra
que a cultura de cancelamento ultraconservadora
evaporou do dicionário político. Digo isto da mesma forma que critico duramente
grande parte da surreal cultura woke de esquerda que infectou a
sociedade europeia! Continuando o raciocínio, muitas propostas política de
encerramento das fronteiras, criminalização de pedidos de asilo, externalização
de controlos e recusa de desembarque de pessoas resgatadas, p.ex., no Mediterrâneo,
institucionalizam o contrário:
distanciamento, seletividade e indiferença perante a vulnerabilidade. Ainda relativamente
à políticas migratórias, tenho que efectuar desde já uma manifestação de
interesse: sou absolutamente a favor de um controlo rigoroso sobre quem entra e
quem sai. Sou ainda a favor da expulsão de quem se encontra ilegal, excepto em
situações em que decorram processo de legalização. Sou ainda a favor do
reagrupamento familiar. Nada disto colide com a lógica cristã, e por favor não
me venham pedir satisfações teologicas sobre a Fuga para o Egipto (Mateus
2), pois não há registo que tenham sido expulsos pelos serviços de fronteira do
praefectus Aegypti Gaius Turranius.
Em suma, a parábola em causa direcciona-nos
para uma ética da responsabilidade
concreta – ver, compadecer, cuidar, etc. – em oposição,
boa parte do discurso anti‑imigração
procura despersonalizar, ostracizar, desumanizar.
Para os incautos e alguns ditos doutores
da razão e moral cristão, por favor, leia bem “O Catecismo da Igreja Católica”.
Assim muito rapidamente, a doutrina social articula dois princípios: o direito de
as pessoas procurarem condições de vida dignas, incluindo migrar e o direito e
dever dos Estados regularem os fluxos em vista do bem comum, sem negar a
dignidade e os direitos fundamentais do migrante.
Não
se trata apenas de filantropia, mas de um dever moral muito bem enraizado nos
Evangelhos.
Mais, a doutrina cristã também reconhece
que os Estados podem estabelecer limites prudenciais, mas rejeita políticas que
desumanizam, exploram ou deixam sós quem foge da guerra, das perseguições
ou da miséria extrema. Eu diria que à luz destes ensinamentos, qualquer discurso
que apresenta migrantes como ameaça, legitima a sua rejeição sistemática , mas
sobretudo normaliza a indiferença diante
do seu sofrimento. É preciso invocar que não colhe qualquer acolhimento coerente na ética cristã? Lá está,
o problema, ou melhor a solução é que o buraco
da agulha, não pode ser uma avenida ao estilo da arquitetura soviética (extensa
e brutalmente larga), mas apenas uma porta que recebe e acolhe quem chega, de
forma digna e justa. Caos contrário, serão 70x7 aqueles que gritam hossanas
pela desordem e a insegurança.
Para aqueles que temem a
islamização do nosso País europa, um recado: caros cruzados, não temam. A ética islâmica sublinha que, dar refúgio a quem foge de perseguição ou
injustiça é um dever da comunidade muçulmana; a proteção deve ser concedida
mesmo a não crentes, sem discriminação de religião, etnia ou nacionalidade. Aliás,
o Alcorão louva os habitantes de Medina por amarem “aqueles que emigraram
para junto deles”, preferindo os refugiados a si próprios mesmo estando em
pobreza, e apresenta a fraternidade, a compaixão e a hospitalidade como
exigências éticas para com o estrangeiro. Em parte, são doutrinas com uma visão
paralela, ou quase, ainda que em patamares distintos.
O
estrangeiro não pode ser uma ameaça abstrata, não devíamos generalizar a
suspeita, com toda honestidade teológica pois esses nunca foram fundadores da Europa.
Outrora, fomos e ainda somos estrangeiros noutras geografias.
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