09/12/2008

...o pequeno ardina

[A um pequenito, vendedor de jornais]

Bairro elegante, – e que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu…

Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu.

A noite é fria; a geada cresta;
Em cada lar, sinais de festa!
E o pobrezinho não tem lar…

Todas as portas já cerradas!
Ó almas puras, bem formadas,
Vede as estrelas a chorar!

Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu,

Em plena rua, que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu…

Em torno dele – ó dor sagrada!
Ao ver um círculo sem geada
Na sua morna exalação,

Pensei se o frio descaroável
Do pequenino miserável
Teria mágoa e compaixão…

Sonha talvez, pobre inocente!
Ao frio, à neve, ao luar mordente,
Com o presépio de Belém…

Do céu azul, às horas mortas,
Nossa Senhora abriu-lhe as portas
E aos orfãozinhos sem ninguém…

E todo o céu se lhe apresenta
Numa grande Árvore que ostenta
Coisas dum vívido esplendor,

Onde Jesus, o Deus Menino,
Ao som dum cântico divino,
Colhe as estrelas do Senhor…

E o pequenito extasiado,
Naquele sonho iluminado
De tantas coisas imortais,

– No céu azul, pobre criança!
Pensa talvez, cheio de esp’rança,
Vender melhor os seus jornais…


António Feijó

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