10/03/2018

...glassworks



…a manhã voou ao som do ud do tunisino Anouar Brahem, intervalado pelo som do teclado, uns minutos para admirar a estranha calma de um sábado, observada do 7º piso e os improvisos do Keith Jarrett com o magistral Köln Concert.

Meio-dia, a torre sineira idealizada pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro anuncia os primeiros raios de sol; a chuva desta semana foi piedosa. Não sei se por coincidência meteorológica ou alteração de humor barométrica, o que é certo é que São Pedro atendeu finalmente às preces dos devotos. Está para breve um coro de descontentes, fartos da monotonia do som do vento e da chuva durante as noites mal dormidas, da roupa molhada que não sai do estendal, ou daquele fulano mal-educado que não abrandou ao passar na estrada empoçada. A memória meteorológica do Homem é tão curta e instável como a cotação de uma criptomoeda.

Entretanto, saltei para o Etude n. 9 do Philip Glass. Descobri o PG quando me perdi por amores pelo álbum Glassworks algures nos anos 90. Quando ouço as suas composições o pensamento molda-se às estruturas repetitivas, quase mínimas e tudo se resume à simplicidade, a um estado de calma e serenidade que procuro incessantemente dia e noite; nem mesmo quando caminho nos sonhos de morfeu, consigo desprender-me dos acordes complexos que construo.

Odeio café frio; quando estou compenetrado a trabalhar por vezes acordo inadvertidamente a olhar o fundo do poço e sentir o aroma do blend arábico e a tonalidade glacial da água entrelaçarem-se num bailado sensorial estranho. É sempre um excelente motivo para deitar aquela água suja e voltar à copa para repetir o momento social de ouvir a máquina a moer os grãos de café enquanto a máquina se prepara para os vaporizar. Eu, abusador inveterado de estrangeirismos («Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores. » Mc 2) ainda não me acomodei ao termo refill, muito em voga.

É raro um dia assim  estranhamente silencioso e sereno. Mais ainda, ter a companhia da gata (nutre por mim uma relação amor-ódio) a adormecer enquanto me contempla a ler crónicas da actualidade política na poltrona poäng. A música do PG é assim, sem puzzles melódicos para resolver, apenas imagens para ouvir incessantemente.

Os dias deviam ser assim: um prazer incessante.
Mas não são;
as noites também…




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