16/05/2021

...os invisíveis

 …numa altura em que as baterias do discurso político direccionam-se ora para a retórica militar [bazuca] ora para a escatológica performance de alguns ministérios, aqui do alto desta torre de cristal, seguro da justeza da argumentação e a salvo de raides de haters, diria que o clima é mais de descendente do que propriamente de um ciclo de expansão.

Não é necessário percorrer algumas das brilhantes performances dos senhores do capital – nobres honrados cavaleiros feudais, reputados na arte do esquecimento e exímios mestres na arrogância - que por estes dias glorificam o papel dos ilustres deputados da Nação, nas audições parlamentares sobre a gestão do Novo Banco. É um aconchego para esta alma, imaginar que os favores dos amigos – agora meros conhecidos ou nem isso, serviram para criar uma teia de ilusões tão densa que nem na noite mais obscura, seria possível a mais incauta borboleta da traça evitar ser surpreendida. É confortável verificar a agora aquilo que muitos camaradas alertavam para os perigos do capital, não eram um salto de pó de um disco riscado, mas antes a mais pálida das verdades.

                                                                                             (foto do mestre Sebastião Salgado) 

Fomos construindo um País assente em bases tão sólidas e tão nobres, que agora servem como stand-up comedy para donas de casa de final de tarde na televisão do parlamento. Mais, tão determinados e voluntariosos, os nossos apóstolos da economia de mercado, ainda se deram ao trabalho de criar paraísos e fundações com fins filantrópicos, para aliviar a voracidade da Autoridade Fiscal, a bem da nobreza e uns e criando empregos para uma imensidão de gente que a esta hora devia estar de joelhos agradecida por tamanha demonstração de caridade.

Tenhamos fé neles e em todos aqueles que se ajoelham a apanhar frutos e hortícolas a troco de um quarto compartilhado com mais uma dúzia e pouco mais de 3 m2 de liberdade neste paraíso de tendas de plástico. O consumidor no hipermercado agradece o desconto proporcionado e o Estado assobia ao som de uma qualquer moda alentejana. O problema, é que estes invisíveis [revisitando as personagens do escritor Ondjaki] há-os por todo o lado. Mas como sempre, ninguém se apercebe ou realmente incomoda. Desde que não vivam relativamente perto da sua zona de conforto.

Pergunto-me se não seria preferível enfiar qualquer loquaz vedeta do canal parlamento em contentores e dar alguma dignidade a quem fugiu da miséria e a da iniquidade?

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