Em surdina, e enquanto ninguém se lembra que tal, fui encher os depósitos das carroças antes que o preço do fardo de palha aumentasse por via do aumento do IVA e do fim da comparticipação aos produtores de biodiesel. Mesmo apesar da variação do euro face ao dólar beneficiar o preço do barril de crude, estou certo que a Galp (produtora internacional de todos os fardos de palha que são digeridos em Portugal e algumas bombas em Espanha) vai mesmo aumentar o manjar asinino logo após as 12 badaladas da meia-noite. Saciado agarrei os arreios e com toda a impedância apontei a cenoura até à grande superfície mais próxima. Estava cheia, para não variar nesta altura de saldos & enganos. Achei delicioso o pormenor de à entrada terem construído uma pirâmide de bolos rei industriais com aspecto de móvel velho lambido com óleo de cedro. Mais espantoso foi ver o escaparate dos preservativos Durex mesmo ao lado das nossas garrafas de espumante travestido de champanhe francês. Mais adiante, os inevitáveis sonhos oleoso, as rabanadas emplumadas de açúcar mais caro e canela das mais barata e as imprescindíveis uvas passa de calibre XXL para dar substância aos 12 largos e desmedidos desejos de início de década. Fritos & alcoólicas ao som das 12 badaladas, as passas do Allgarve e chá de tília para acalmar os fígados mais desprevenidos na manhã seguinte.
Confusão, mesmo grande confusão era a bicha para o marisco:
- “9,99 €/ kg, mas com desconto em cartão!” – não sei tive pena dos bichos ou quem estava disposto a mariscar as últimas finanças do ano numa amálgama de tremoços de bigodes meio congelados e mal amanhados . Satisfação para a carteira, decepção para o paladar. Fiquei-me portanto pela prata da casa e pelo tradicional paté de atum com um derivação de vinho da madeira e resguardo de pasta de azeito. O queijo de Évora também vai fazer pendant com as azevias de grão que a bimby preparou. Para memória futura, robalo no forno com batatinhas acompanhadas com um branco Duas Quintas 2007.
Mas voltemos á brutal realidade dos números, neste “fim de festa” da governação em que nem os reis magros do mercado nos agraciam com a mirra (muito menos o ouro ou o incenso), o nosso Primeiro Herodes depois de degolados os abonos das inocentes crianças deste país, prepara-se agora para o saque supremo ao templo pátrio do contribuinte. Felizes os convidados para a Ceia do Senhor, eis o carniceiro que tira o imposto ao povo.
IRS, IVA, Deduções Fiscais, Benefícios Fiscais, Código do Trabalho, Código Contributivo, Segurança Social. Amén
Rejubilem todos aqueles que foram enganados (os patos bravos que ainda acreditam neste Carcereiro-mor), ele que transporta numa bandeja de prata, o sonho de todos aqueles que ainda esperam a última vinda do messias libertador, o D. Sebastião que nos há-de livrar de Alcácer-Quibir, e de todos os negociadores do FMI. Façam as vossas apostas, será que o FMI ou o Sr. Trichet nos vai visitar no final do primeiro trimestre, será que o nosso Ministro das Finanças vai finalmente poder apreciar o merecido descanso ao sabor de uma peça de fruta enquanto se delicia com o seu ipad no sofá da sua sala. Será que o nosso Primeiro vai finalmente dar o braço a torcer e mudar a retórica de desculpabilização sistemática da crise internacional e vacilar sob a pressão dos números?
Será que alguém de bom senso vai poder votar em consciência nas próximas eleições presidências dada a total ausência de discurso político, diálogo de ideias ou soluções? Vou ser sincero: assisti a apenas um debate, o confronto final entre os dois únicos candidatos presidenciáveis. Que pobreza, que vazio! Não deixa de ser caricato para não dizer aberrante ver dois candidatos discutirem aquilo que não podem fazer mas que insistem prometer, e não falar claramente sobre aquilo que podem e devem fazer. Cada vez me convenço mais que dado o esvaziamento que se assistiu nos últimos cinco anos no papel do Presidente da República, era tempo de termos alguém em Belém que tomasse definitivamente o rumo do País e augurasse um novo estilo de protagonismo.
Mas nem tudo foi mau neste ano que agora se esvazia: mantenho a minha conta fora do BPN, continuo a respirar sem que para tal pague imposto, ainda posso sair de casa sem pagar taxa de ocupação municipal, e ainda tenho liberdade para escolher os ingredientes que utilizo e o modo de os confeccionar sem que a ASAE entre cozinha a dentro com os seus comandos swat.
Ainda consigo arranjar dois metros quadrados na praia de Carcavelos para apreciar uns banhos de sol e ler umas quantas páginas de língua portuguesa com consoantes mudas e pasme-se, ainda consigo ir pedalar no mar do Guincho sem pagar portagem. Por isso não me posso queixar. Nem foi assim tão mau!
Podia ter sido pior, mas o Papagaio sem Penas, essa loja mística que nos ilude e nos confunde deu uma ajudinha, e do outro lado do rio, algures no meio de livros e desapontamentos, um sorriso banhado em lágrimas acordou de um longo sono quimérico. Afinal enganei-me (estranho! sempre pensei que eu e o Cavaco éramos infalíveis e não líamos jornais!?) não te tornaste uma desilusão, apenas uma breve pausa no tempo.
E portanto, é com grande satisfação e maior preocupação que aguardo, as doze badaladas para a nova década. As passas brancas (só gosto dessas!) já estão alinhadas, na firme convicção que as 12 rimas não se transformarão em sete pragas do Egipto, pois de sustos e desilusões já este ano foi pródigo.
Uma boa noite &; boas entradas.
PS: para os incautos e patos bravos apenas um aviso: o Pingo Doce realmente não vai aumentar os preços em Janeiro...e sabem porquê?eh!eh!eh!he!...advinhem!