Após dois anos em que nos refugiamos
num mundo quase asséptico, em que quebramos o pacto solene de confraternizarmos
até à exaustão, juntemos uma constatação importante: se a pandemia nos tornou
reféns das redes sociais, da saudável distância (muitas vezes autoimposta
outras imposta), a guerra que agora nos bate à porta, introduz novos
condimentos: controlo, vigilância, a eliminação de opiniões contrárias à linha oficial,
e mais e mais propaganda e contrapropaganda.
Se durante a pandemia, fechamos
salas de espectáculos, silenciamos a arte e a cultura, e mais uma vez combatemos
de forma insana quem pensava de forma diferente, agora com ou sem aforismos,
nem metáforas fáceis, entramos na dimensão do inenarrável.
Quando do outro lado da “cortina
de ferro” (desenterrei este tesourinho do pós-guerra), assistimos à
diabolização do Ocidente (comparativamente à aura renascentista da cultura
eslava) e, em simultâneo no outro extremo - no Império do Meio (ao lado daquela
península onde um louco brinca com misseis balísticos) - ouvimos o troar da união dos povos
progressistas contra o maldito imperialismo ocidental, entramos gradualmente numa
retórica que inevitavelmente conduzirá a ao recrudescer da desumanidade e ao
colapso da humanidade como a imaginamos durante estas últimas décadas. Sim. Durante
as últimas décadas vivemos uma fantasia de enamorados.
E como se tudo não bastasse, para
além da fome, da guerra, do desespero de milhões que tentam atravessar
fronteiras, ainda assistimos à barbárie perpetuada por fundamentalistas
religiosos que interpretam os ditames da religião que confessam, como símios a
interpretar a teoria da evolução das espécies do Darwin. Para completar o
ramalhete de preciosidades, a proibição das mulheres de frequentar o ensino no
Afeganistão, entra num plano que não é possível postular com algum tipo de coerência
filosófica.
Assim de súbito, quase apetece
rumar em direcção a uma qualquer terra nullius e aí respirar algum tipo
de paz interior, longe, muito longe, para lá do horizonte dominado pelos antagonismos
entre os povos, dos delírios religiosos, étnicos, nacionalistas, etc.
Não há forma de entender este
admirável mundo novo, nem lendo até à última consoante, até ao último sopro de força.
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