Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta
alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria
que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa
e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas
fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o
PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se
inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal
um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é
essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da
informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse
confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo
yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem
contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades
construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade. Em
sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis
procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados.
Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são
considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser
“um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro
Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem
contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha
em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo
Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à
sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o
Director do Público. Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a
ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de
Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a
tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia
de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido
sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
Mário Crespo
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