21/12/2025

...Lucas 10 (capítulo final )

 O texto seguinte não é aconselhado a Pessoas de Bem ou gente que por influência ou efeito de manada, preferiram silenciar as convicções políticas até aqui defendias e resolveram sair do armário da vergonha onde nunca se sentiram confortáveis.

É um ponto assente que as atitudes face à imigração podem influenciar políticas concretas e que a ausência de dados mais finos  limita sobremaneira, a capacidade de desenhar políticas equilibradas. É unânime que existem fragilidades que vêm à tona, logo de seguida: mecanismos explicativos pouco claros; a distância entre preferências dos eleitores e as posições dos decisores políticos, e a necessidade de investigar melhor como as atitudes e os anseios se traduzem em legislação e reformas (?) políticas. A bibliografia mais recente sobre a temática dos tais fluxos (invasão) migraratórios diz-nos que:

  • As mulheres, em média, veem imigrantes de fora da UE de forma mais humanitária e associada a valores de solidariedade e direitos humanos, enquanto tendem a encarar imigrantes da EU, sobretudo como concorrência económica, o que as torna mais negativas em relação à livre circulação interna (i.e., Espaço Schengen).
  • As atitudes face à imigração não são neutras: podem influenciar a forma como a UE regula o asilo, a mobilidade laboral e o próprio processo de alargamento, sobretudo aos países mais a leste.
  • A limitações de dados (falta de informação sobre motivos da migração ou país de origem) devia ser complementada com uma investigação mais apurada e melhores mecanismos de controlo, dada uma aparente disrupção que cresce existe entre percepção da opinião pública face à avalanche de informação/desinformação e as políticas adoptadas.

As correntes de esquerda na Europa, com um forte pendor humanista,  têm defendido a solidariedade internacional, a proteção de refugiados, os direitos laborais dos migrantes e a visão da imigração como parte da luta por direitos sociais universais. Quando, tal como sucede em Portugal,  quando a esquerda cede ao enquadramento da extrema‑direita e a normalização imposta por alguns partidos liberais de centro-direita, e que desavergonhadamente,   aceitam a imigração como um “problema” (“ameaça” seria uma afronta à própria matriz fundadora) antes de mais económico e cultural, a racionalidade  abdica do seu próprio terreno ideológico: o da igualdade, da liberdade de circulação e da cidadania social inclusiva.



Este desvio tem dois efeitos perigosos, que já ocorreram ao longo do séc. XX e que conduziram a dois conflitos mundiais (prova provada que a água por vezes passa mais do que uma vez!):

  • Normaliza as categorias e os fantasmas  da extrema‑direita, tornando aceitável falar de “invasão”, “ameaça à identidade” ou “imigrantes bons vs maus”, o que desumaniza pessoas e legitima políticas mais duras.
  • Enfraquece e em última análise, auto-destrói a capacidade dos partidos liberais se diferenciarem das teses ignóbeis da extrema-direita: se o eleitorado vê pouco contraste entre o discurso humanista e supostamente cristão da direita radical, tende a optar pelo “original” (extrema‑direita) e não pela “cópia”.

Isto não é uma hipótese académica nem um teorema, é uma constatação e sucedeu, com a ascensão da ideologia fascista na europa no decurso do séc. XX. O que assistimos actualmente, é tão somente o renascer desse monstro, mas agora numa versão mais fofa e modernizada. Amén à realidade alternativa e à pós-verdade.

Não vou elencar os benefícios da emigração (a História de Portugal é um corolário de migração) no contexto sócio -económico actual mas vu só referir en passant três situações que ilustram de forma clarividente os falsos benefícios dessa nova moda trendy que a extrema-direita conseguiu inocular na sociedade ocidental: alguém me explique os benefícios do Brexit,  da dureza retórica dos governos de direita em Itália. A Hungria ainda é uma democracia ?

Provavelmente a culpa é deles: os emigrantes.

Lucas 10

 

A Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10), apresenta um Samaritano - para quem faltou à catequese, era uma nação  desprezados étnica e religiosamente, aliás eram considerados pelos restantes povos judaicos como impuros – como aquele que interrompe o seu caminho, se aproxima da vítima, trata as feridas, paga a estalagem e assume custos futuros, enquanto as ditas  “Pessoas de Bem” [utilizando um tema em voga por alguns energúmenos]  passavam ao lado, sem se preocupar. Penso que todos aqueles que, tal como eu atingiram os mínimos olímpicos da catequese (doutrina, lá para as altas montanhas do Norte), o ensinamento central que se retira desta Parábola é que o próximo não é apenas o membro do próprio grupo, mas qualquer pessoa em necessidade, incluindo o estranhos ou estrangeiros [vamos alterar o nome e chamar-lhes agora “emigrantes”; do outro lado do Atlântico são aliens, dai que suponho serem algo como seres esverdeados, luminosos e bastante perigosos, acabados de sair de uma nave ou teletransportados de outra galáxia mesmo aqui ao lado?].

Fazendo a ponte com a parábola, a pergunta que se impõe é “quem é o meu próximo?”, no entanto Jesus Cristo amplia o debate referindo que o importante não seria limitar quem conta como próximo, mas tornar‑se próximo de quem sofre, independentemente da origem. Por esta altura já muitas almas sedentas de um bom progrom ou duma épica kristallnacht contra os infiéis deve estar a revirar os olhos e tentar um argumentário para descalcificar a minha dedução lógica. Efectivamente o discurso anti‑imigração dominante na direita europeia faz precisamente o inverso: redefine o estrangeiro como ameaça, concorrente ou “invasor” [daí talvez o alien?], e legitima virar a cara ao sofrimento de refugiados e migrantes, venham, eles de que parte for, mas com mais fervor nacionalista se forem não europeus.

O Samaritano ultrapassa as fronteiras étnicas, religiosas e políticas para agir com misericórdia, palavra que  a cultura de cancelamento ultraconservadora evaporou do dicionário político. Digo isto da mesma forma que critico duramente grande parte da surreal cultura woke de esquerda que infectou a sociedade europeia! Continuando o raciocínio, muitas propostas política de encerramento das fronteiras, criminalização de pedidos de asilo, externalização de controlos e recusa de desembarque de pessoas resgatadas, p.ex., no Mediterrâneo,  institucionalizam o contrário: distanciamento, seletividade e indiferença perante a vulnerabilidade. Ainda relativamente à políticas migratórias, tenho que efectuar desde já uma manifestação de interesse: sou absolutamente a favor de um controlo rigoroso sobre quem entra e quem sai. Sou ainda a favor da expulsão de quem se encontra ilegal, excepto em situações em que decorram processo de legalização. Sou ainda a favor do reagrupamento familiar. Nada disto colide com a lógica cristã, e por favor não me venham pedir satisfações teologicas sobre a Fuga para o Egipto (Mateus 2), pois não há registo que tenham sido expulsos pelos serviços de fronteira do praefectus Aegypti Gaius Turranius.

Em suma, a parábola em causa direcciona-nos  para uma ética da responsabilidade concreta – ver, compadecer, cuidar, etc. – em oposição, boa parte do discurso anti‑imigração procura despersonalizar, ostracizar, desumanizar.

Para os incautos e alguns ditos doutores da razão e moral cristão, por favor, leia bem “O Catecismo da Igreja Católica”. Assim muito rapidamente, a doutrina social articula dois princípios: o direito de as pessoas procurarem condições de vida dignas, incluindo migrar e o direito e dever dos Estados regularem os fluxos em vista do bem comum, sem negar a dignidade e os direitos fundamentais do migrante.

Não se trata apenas de filantropia, mas de um dever moral muito bem enraizado nos Evangelhos.

Mais, a doutrina cristã também reconhece que os Estados podem estabelecer limites prudenciais, mas rejeita políticas que desumanizam, exploram ou deixam sós quem foge da guerra, das perseguições ou da miséria extrema. Eu diria que à luz destes ensinamentos, qualquer discurso que apresenta migrantes como ameaça, legitima a sua rejeição sistemática , mas sobretudo  normaliza a indiferença diante do seu sofrimento. É preciso invocar que não colhe qualquer  acolhimento coerente na ética cristã? Lá está, o problema, ou melhor a solução  é que o buraco da agulha, não pode ser uma avenida ao estilo da arquitetura soviética (extensa e brutalmente larga), mas apenas uma porta que recebe e acolhe quem chega, de forma digna e justa. Caos contrário, serão 70x7 aqueles que gritam hossanas pela desordem e a insegurança.

Para aqueles que temem a islamização do nosso País europa, um recado: caros cruzados,  não temam. A ética islâmica sublinha que,  dar refúgio a quem foge de perseguição ou injustiça é um dever da comunidade muçulmana; a proteção deve ser concedida mesmo a não crentes, sem discriminação de religião, etnia ou nacionalidade. Aliás, o Alcorão louva os habitantes de Medina por amarem “aqueles que emigraram para junto deles”, preferindo os refugiados a si próprios mesmo estando em pobreza, e apresenta a fraternidade, a compaixão e a hospitalidade como exigências éticas para com o estrangeiro. Em parte, são doutrinas com uma visão paralela, ou quase, ainda que em patamares distintos.

O estrangeiro não pode ser uma ameaça abstrata, não devíamos generalizar a suspeita, com toda honestidade teológica pois esses nunca foram fundadores da Europa. Outrora, fomos e ainda somos estrangeiros noutras geografias.

24/04/2025

…no ano em que o cuco não cantou




 …é um lugar comum dizer-se há uma estrela que à noite vai brilhar mais no céu. Não é o caso. Todas elas têm o mesmo encanto, independentemente da luz que anunciam. Alguns até são planetas, e apenas refletem. Esta noite serão exactamente as mesmas estrelas d’ontem, mas diferente a maneira de as contemplar. Mas o que me traz por aqui não é uma reflexão sobre astronomia, mas sobre a marcha do tempo. Amanhã prossegue o trabalho artesanal desta Primavera que floresce. O

mesmo chilrear do estorninho, a mesma azáfama na capoeira, a erva que não para de verdejar, o ruído suave das motas que  circulam, o lento anunciar d’ horas do sino, e por ai adiante. Não obstante, as ovelhas não vão sair da corte, pois a pastora não vai estar. Ainda assim, as tulipas continuam a crescer, tal como os lírios no campo, e as nuvens ornar o azul do manto sobre o vale verdejante. E passado este clamor de cores e sons mais ou menos melodiosos, o melro há-de cantar, assim como o cartaxo ou o pintassilgo; quando o estio estiver no auge, lá andarão as ovelhas felizes no prado de lima, enquanto mais acima, a pastora as há-de guardar. O relógio na torre continuará a cantar as horas e já quando os dias começarem a minguar, o pintor irá por certo anunciar a boa vindima e no campo, a espiga será pão p’ra todo o ano.  Segue-se a desfolhada e a vindima, e num lapso de tempo, as chuvas que o outono nos trás, convite p’ro serão do crepitar as castanhas no lume de caruma. Quentes e boas, fruto do souto, que dá nome à terra que a viu crescer. É altura do vinho novo e uns tempos depois, o Advento, e com ele o frio e o vento  que nos aquece a alma desnuda a folhagem do ramos. O vale ganha agora tons terra, e os dias dos menos do que o sono das horas. Quando damos por ela,  é Ano Novo, e por entre o foguetório e a lembrança do ano que passou, a pastorinha continuará a andar por cá, bem cá dentro. Vem o Janeiro, o Março em voo de andorinha e de novo a Páscoa do Senhor . Os dias prosseguem, e há medida que as estórias forem aflorando na memória, a pastorinha continua sempre por perto, mesmo cá dentro. E quantas estórias não hão-faltar, tantas ou mais que as memórias. Mais do que estrelas nesse céu que todos os dia nos enche de uma escuridão bonita. Por isso, e por uma imensidão de motivos, não será esta a noite que a tal estrela irá brilhar. É muito mais do que um mero cintilar, são todos os momentos que foram

e continuam por cá, bem dentro. 

É tudo isto no ano em que o cuco não cantou….


05/01/2025

…da inútil precaução das primeiras horas

 Não sei se já se ocuparam em desvendar o enigma do calendário de 1969, mas é em todo invulgarmente semelhante ao novo ano que agora anda por deambula. Pode-se afirmar que será inútil ir a correr comprar uma agenda de 2025, se podemos recuperar aquela agenda amarelecidade no sotão das recordações perdidas. 69, esse singular ano, cujo Maio que floresceu em 68 no Quartier Latin, chega a Portugal com um ténue aroma a liberdade  ianda poética que contrastava com uma dita primavera marcelista -  um prado de flores, um jardim sem cor).

Talvez seja isso mesmo que nos falta para sermos felizes, uma espécie de primavera que se propague , como um vírus, sem necessidade de máscaras, isolamentos, muros intransponíveis que nos cerquem a mente e nos toldem os sentimentos. Uma primavera em que todas as cores são únicas e nunhuma se destaque, amarela, rosa, branca, negra, azul, castanha. Um jardim bemformoso.

Porventura, o que nos falta para começarmos a ser felizes, é tentar ocupar as horas destes dias que por agora crescem, como vagabundos à procura de novas estórias, sentado à porta de uma livraria, rebuscando páginas de livros à procura desta ou daquela frase épica. E se conseguíssemos erigir cidades de parágrafos, multidões de páginas, de modo a preencher esses jardins mitológico que sonhamos para a Babilónia?

Talvez kronos nos fantasiasse um novo tempo que nos deixasse absortos e contemplativos, perante o silêncio e a imensidão bela, dessa palavra elementar chamada paz.

É desta forma que sentados à sombra duma árvore chamada esperança, ainda interrogativos, vemos passar estas  horas iniciais ,com uma inútil precaução que este novo tempo seja bem melhor do que a montanha-russa de desespero que foi o antigo testamento que os antigos nos deixaram em herança.

 Sonhar por um mundo melhor, será como passar além do Rubicão? 

29/12/2024

IConsciência

 

A consciência, sobretudo a consciência humana, que é considerada uma solução evolutiva eficiente e complexa que emerge sistemicamente do organismo em relação com os desafios do ambiente, sobretudo do ambiente social, de tal modo que tem a capacidade de se ajustar a padrões externos e calibrando sua dinâmica de uma forma natural. Por outro lado, a consciência implica a capacidade de prever o futuro, antecipar a realidade e extrair novas estratégias para lidar com o ambiente circundante de acordo com expectativas, quer relativamente a comparações com o passado quer com a realidade presente. Foi exactamente a necessidade do Homem em comunicar com quem o rodeava que moldou a inteligência e pasme-se, contar a estonteante habilidade de estórias, ou de tentar entender e interpretar com quem comunicava.



Creio que isso é algo intraduzível por um computador ou pelo mais avançado algoritmo computacional de inteligência artificial. Nem creio que num futuro próximo seja sequer replicável por instâncias não-biológicas ou artificiais.

A complexidade e flexibilidade do pensamento humano não podem ser replicadas por algoritmos, teoremas, princípios,  leis, seja o que conseguirmos ficcionar. Falta-lhes a razão. E não será necessário fazer o teste de Turing para chegar a  essa conclusão.

A inteligência artificial gera modelos representativos abstratos, que operam segundo quatro regras básicas: avançar, recuar, incluir e excluir, e que ocorrem numa espécie de memória infinita. São altamente determinístico e operam de acordo com regras e dados estáticos explicitamente pré-implantados, mas apesar de ditos inteligentes não compreendem. Tão simples como isso.

Ainda assim, a visão de um mundo dominado pela inteligência artificial tem ínsitos em si, algo que nos deve deixar sempre alerta.

27/12/2024

..só para recordar

 “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação.” 


 Artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos