30/08/2015

...o homem do balão

…verão rima com silly season, dizem! Não sei, mas num país em que antes mesmo do início da época futebolística e da Festa do Pontal há a época dos fogos, tudo se permite e tudo é imaginável. Aliás, há uma forma bélica de retratar essa temporada – fase Bravo. Bravo, bravíssimo, por cá aplaude-se a morte do verde belo. Isto a propósito de um pedaço de terreno com meia dúzia de eucaliptos com porte bulímico, que resiste a arder há já vários dias aqui ao lado e que já motivou a intervenção de um helicóptero, uma carrinha envelhecida dos bombeiros e o esforço de guerra do pessoal da junta de freguesia. Não houve feridos nem danos de maior, apenas uma velhota de bengala que vinha com andar sofrido da benda, no momento decisivo em que do céu caiu uma queda de água.
Esta semana houve festa, foguetório música e animação. Na sexta-feira o artista da terra não granjeou críticas muito entusiasmantes, a avaliar pelos artigos de opinião ao balcão enquanto saboreava um café na dita benda. No sábado o elenco esteve bem melhor, ritmo festa de aldeia, duas bailarinas voluptuosas a hipnotizar os pais de família mais austeros, e as letras brejeiras em contraste com a santidade do evento. Café do clube de futebol da terra, cheio de garrafas vazias e no balcão, alternavam pires de amendoim com histórias da Chuissa e da Françia com o sotaque da terra.
Domingo, a mercearia nesse dia estava vazia, por norma a manhã é devotada às cerimónias religiosas, a tarde ao paganismo, mas antes a procissão e sermão comme d’habitude. Enquanto saboreava um dominicano fumo, e lia Bolaño, ainda consegui espreitar um pouco do sermão: temas pungentes- o pecado, o inferno & as tentações. No final, a procissão em que metade dos devotos desfila por convicção e outra por obrigação.
Há um costume que me fascina e só encontro por estas bandas, por entre um mar de flores, Nossa Senhora segue o passo cadenciado da fanfarra, segurando um belo rosário carregando notas de euro. Podiam ser títulos de dívida pública ou coco bonds, mas não deixa de ser subliminar esta devoção ao capital financeiro.
As festas de aldeia são das coisas mais fascinantes que existem: metade encosta-se nos cantos do adro, de braços cruzados como que se refugiando num olhar contemplativo, e outra metade observa as moças que dançam no palco e os pares de mulheres casadas e raparigas solteiras que desesperam pela falta de um pé de dança masculino. Os homens por sua vez, bebem uma cerveja no bar do clube, entre remoques sobre a última contratação do Benfica ou a discutir as estórias do ano que passou. O ano tem duas metades, antes da festa de depois da festa. No meio fica o olhar vazio do homem que vende balões. No ar respira-se um aroma doce a pipocas.
Finda a festa, a aldeia volta aos seu ritmo frenético, o amanhecer com a luta desenfreada dos galos, o sino a cantar a marcha do tempo, o melro a acabar com o resto da fruta que ainda resiste aqui no pomar e o gato da vizinha à espera que lhe traga um resto de qualquer coisa do jantar de ontem. Na mercearia, a velha está sentada e vai ditando a ladainha do costume, três trigos, um manteiga, um pacote de arroz e um pouco de queijo fatiado.

Aqui ao lado, o resto da caruma ainda fumega. Mesmo assim o casal de corvos ainda por cá pernoitou. Devem estar de partida, pois o barulho dos tractores já se faz ouvir com alguma intensidade e o homem do peixe já passou com a buzina encravada. O sino acabou de tocar, ai vão eles…os corvos. O verão acabou…nos próximos dias vai chover, e nos restantes também. O verão acaba quando entramos de férias. Começa quando acordamos na azáfama do primeiro dia de trabalho.