13/12/2017

...o resto são palavras

Não me perguntes,
porque nada sei
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus,
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitando.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros, agendado,
Sem nada perguntar,
Vê, sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que de mim não possas entender.



Miguel Torga

10/12/2017

...cal

...quando a vida passa por longos e silenciosos períodos de metamorfose, resta esperar que o silêncio se eleve até que um infinito manto de palavras e desça do Céu. Não serão anjos nem querubins que do alto soarão as trombetas a anunciar os povos da Terra, mas será um rasto de estrelas que o céu desenhará na anunciada alvorada.
 
Motivos não têm faltado para deixar escrito tudo o que poderia ser dito, mas nada como o frio imaculado de uma parede de cal. Apenas uma breve brisa.
 
Um ano passou e tudo permaneceu exactamente no mesmo tempo.Como se o silêncio fosse uma pausa quase ridiculamente infinita.
 
 



08/11/2017

que língua falam os pássaros
de madrugada
que não a do amor?

escuto a madrugada
– lento manancial de céus.

os pássaros
são mais sabedores.

Ondjaki

17/06/2017

...praia fora

..cai a noite,
é no escuro que vemos melhor.
sonhos.
um dia gostava de ouvir o som dos seus sonhos.
o som do vento que se mistura  com cabelos que ondula  pela praia,
as as palavras que o olhar esconde por detrás daqueles olhos amendoados.
sentir a areia que pisa,
o ar que respira quando a maresia toca a doce pele morena,
caminha só praia fora.
cada pegada é um pensamento,
a cada pensamento um vazio que descreve,
nasce o sol, abro os olhos
e tudo desvanece,
dela nada,
apenas apenas espuma do mar,
e o som do vento.


26/02/2017

...um mundo aparte



O mundo de Athos era um vazio de luz. O mundo de Isa era dominado por um tonalidade áurea onde não havia lugar a sombras nem penumbras.

O sonho de Athos era sentir o calor das cores, e o perfume da luz. Athos não compreendia a razão pode detrás das palavras.O sonho de Isa era sentir a paixão da noite e melancolia do silêncio. 

Athos  sentia a dimensão da penumbra e sabia distinguir o vulto das sombras, como se fossem o prenúncio do dia e da noite. Isa era cega mas lia nas palavras o mundo de luz que a rodeava.

Viviam em mundos separados, mas havia alturas em que ambos quase se tocavam: de manhã e ao anoitecer.
Foi assim que se conheceram, e por isso se afastaram.



Na luz que Isa transportava no seu sorriso, faltava a penumbra que guiava Athos. À melancolia que Isa sonhava, respondia Athos com gestos que Isa não compreendia.Nunca se tocaram, nunca se viram, apenas gestos, palavras e mais tarde um silêncio que se perpetua.

Ele ficou cego pois guiou-se pela ilusão de compreender as cores, sem as sentir sem as tocar; ela abriu os olhos e teve a percepção que o significado das palavras não eram suficientes para compreender o que o seu olhar não captava. Viu o dia e perdeu a noite. Ele via luz, mas afundou-se na penumbra.

Talvez a história tivesse outro destino, senão existisse apenas aquela manhã ou o anoitecer. Um dia provavelmente haverá algo que falhou: tempo.

...discurso passivo

....se o poeta é um pastor de fingimentos, o escritor um contabilista de palavras, eu serei apenas um guardador de silêncios.

Os meus silêncios não serão freses, e os meus pensamentos não serão poesia. Rodam por aqui, e surgem quando tomam o forma de tinta invisível