17/10/2015

…a distância à paralaxe


 …não há nada mais vago que do algo que é assintomático. A ausência de sensação ou estímulo é um conceito demasiado vácuo para imaginar o que quer que seja, ainda que na sua proporção física, seja perfeitamente visível, se descoberto. Um pouco como aquele conceito metafísico do “fogo que arde sem se ver”, ou a “ferida que dói mas não se sente”. Quando o desconhecido deixa de ser palpável na sua dimensão sensorial ficamos reféns da incerteza e de uma ansiedade que se transfigura em receio e insegurança. O medo apodera-se, e a dúvida sobrepõe-se à verdade.

Mas afinal “O que é a verdade?” Esta é a famosa pergunta feita por Pilatos a Jesus (João, 18, 38). Kant diria que a descoberta da verdade exigiria algo experimental. Mas como descobrir o que é a verdade quando não existe certeza, um ponto de vista, apenas o vazio gerado pela incerteza torna-se uma tarefa algo impossível. A não ser que, tal como Einstein postulou, apenas provando o seu contrário.

É nestas alturas, quem que nos vemos à distância da paralaxe, entre o que é verdade ou o que é apenas a dúvida, que descobrimos o quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade, é a nossa capacidade de criar cenários e estados de alma imaginários.


Sempre em busca de uma verdade na dúvida que não existe.  

04/10/2015

..reflexo condicionado



O dia começou outonal, cinzento e ventoso, mas o anoitecer vai ser em tons quentes de terra.

…de entre as conquistas da madrugada do primeiro dia do resto das nossas vidas, a urna e a cruz na folha de papel reciclado surgem como os símbolos mais religiosos o actual regime jacobino podia ter preservado. Os crucifixos nas escolas foram os primeiros a obliterar. Não obstante asprojecções, confesso o meu pessimismo sobre o resultado de hoje.Daqui a uns meses vamos voltar a sentir o silencioso grito de mudança, e provavelmente uns meses depois, nova consulta para rectificar o voto tempestivo deste dia de Outono.

Vinte e quatro horas de reflexão, é tempo demais, uma maçadora aula de yoga, Por mim, tinha sido já ontem, no início do verão, ou no bar da praia por entre um café e o pregão do homem das bolas de Berlim. Mas não foi. Culpem o futebol, culpem o tempo, quem quiserem, mas não são eles que decidem. Sou eu.

Dei-me ao trabalho de ler ambos manifestos eleitorais, o resto é pura utopia Obviamente não me revejo no modelo liberal que ambos defendem, de forma mais ou menos encapotada no PS, deliberada no PàF [a sigla mais idiota criada nos últimos anos, mas um resultado absolutamente brilhante!].

Ponderados os prós & contras, não há dúvidas que seria demasiado arriscado apostar no pensamento económico do Centeno, já para não falar da desilusão sentida mal se começou a aprofundar aquilo que parecia ser um programa com pés e cabeça [o Triunfo dos Porcos trunfo que acabou por uma versão atabalhoada do 1984 com telhados de vidro].

Apesar de ser a única proposta  com um cenário macroeconómico minimamente detalhado, e não um conjunto de boas intenções e de frases politicamente polidas. Ficou aquém das expectativas. Já para não falar no simples facto de não ter sido lida por quem de direito, de forma aprofundada. Como tudo na vida, nem tudo o que luz é ouro. No caso concreto enferma de alguns buracos negros, e zonas cinzentas que ainda hoje carecem de explicação. Um pouco à semelhança daquele primeiro cartaz que incendiou definitivamente o início da desastrosa campanha rosa.

A “Agenda para a década” enferma de alguns males pré-anunciados e expectáveis:

- Política centrada no “consumo interno” em vez de orientada para a poupança das famílias [muito útil para os nosso congéneres europeus, sobretudo para os fabricantes de gadgets electrónicos e automóveis; veja o boom verificado no mercado automóvel no primeiro semestre!];
 -Não adiante muito sobre a competitividade das empresas nacionais, sobretudo a sua internacionalização [veja-se a descida da TSU e o que isso implica];
 - Mantém a mesma filosofia que nos conduziu ao desastre do “compre agora e pague depois”;
 - Cria instabilidade ao nível da fiscalidade ou anunciar medidas temporais, receita que tem sido explorada até à exaustão pelo actual Governo e que foi um dos principais motivos pela erosão provocada nos eleitores que agora lhe retiram a maioria absoluta;
 - Apresenta uma inusitada diminuição das receitas da SS [à semelhança do programa do PàF] mas a uma escala ainda mais impressionante;
 - Não apresenta uma mais-valia relativamente a sectores tão importantes como agricultura, pesca, indústria;
- Está demasiado colada á lógica que nos conduziu ao desastre de 2011 [nome mais cândido que encontrei para definir bancarrota!].



A "Agenda para a década" até pode ser um documento bem estruturado, mas falta-lhe aquele lúmen de esperança, e isso nunca foi suficientemente explanado em duas semanas. Antes pelo contrário. Passamos o tempo a discutir fait-divers, notícias de jornais, "não histórias", "não assuntos". A riqueza do debate esfumou-se numa mão cheia de nada, de punho erguido.

Assim é difícil passar qual tipo de mensagem. A lógica afunila num discurso afónico. Sem estilo.

Do outro lado, temos um Governo que seguiu aquela lógica maquiavélica, dos fins justificam os meios. Guardou fechada a sete chaves a social-democracia e embicou na lógica liberal da TROIKA, num esforço que deu bons frutos em algumas matérias, mas que deixou um rasto de destruição na sociedade portuguesa. Não vale a pena enumerar.

Mas conseguiu reerguer o desaurido orgulho nacional. Isso conta. A ditadura das finanças ainda não terminou. Apenas continua de forma mais serena, mais estendida no tempo. É um sussurro, ontem era um grito constante em letras garrafais.

Amanhã a vida continua, na Lapa e no Rato. Nos outros locais, logo se vê, dependendo do reflexo do dia de hoje.

To do our country loss; and if to live,
The fewer men, the greater share of honour.


Henry V, Act 4 Scene 3