30/12/2014

…et pour cause

…há algo que ainda hoje me desnorteia e que tem haver com a inexistência de imagens ou fotografias relacionadas com a saída limpa dos Srs. Subir Lall, John Berrigan e da Sra. Isabel Vansteenkiste algures em Maio deste ano. Numa época em que sabemos qual teor da ementa do almoço do fulano de Évora, ou as desavenças de uma família de primos desavindos, estranho se abandonaram o país com um largo sorriso ou uma dúvida inquietante!?



É certo que não lhes guardo qualquer tipo de rancor, pois não tiveram culpa formada no estado deplorável desta bodega. Espero sinceramente que tenham feito uma boa viagem e que nas próximas décadas, escolham outro destino paradisíaco para ensombrar a vida de outrem.
Decidi escalar esta montanha russa que foi o ano e por entre entradas e saídas das grades pouco sobra para classificar este ano miserável. De Janeiro a Dezembro é-me difícil não encontrar um screenplay mais adequado para um episódio da série “Prison Break”, se bem que no cômputo de entradas e saídas apenas se note uma evidente ausência de alguém ligado ao caso dos submarinos. Aparentemente [até a deputada Ana Gomes descobrir a rolha do casco!] o caso submergiu a esse subterfúgio habitual da nossa justiça- prescreveu.

[até nisso somos notáveis!]


Assim, depois de folhear o jornal diário, alguns factos que atestam a singularidade deste rectângulo isósceles [não tão complexo como a quadratura do círculo!]: um ex-primeiro ministro preso quando tentava entrar no país com direito a acompanhamento jornalístico exclusivo quase em directo; uma ex-ministra da educação condenada com pena suspensa por prevaricação de titular de cargo político depois de uma grande festa chamada Parque Escolar; um ex-deputado [hábil organista e com tendência para arranjar problemas com herdeiras de fortunas] condenado a pena de prisão efectiva por por burla qualificada num banco [nova moda em Portugal?] e branqueamento de capitais; um ex-ministro condenado a prisão efectiva depois de umas trocas de “robalos” com um vendedor de sucata; um ex-autarca que sai em liberdade condicional depois de uma cuidada dieta prisional; alguns altos quadros do Estado detidos num caso relacionado com vistos dourados em que empresários orientais e outros que tais compram casa preço de ouro [apesar de enganados!]; um crash no sistema informático judicial [muito útil nos dias que discorrem nos jornais] e cujas consequências ainda hoje permanecem no baú dos mistérios insondáveis; um erro matemático primário na colocação dos professores, num ano curricular que começou sem problemas; pedidos de desculpa de ministros que se demitem e são repescados porque já não há bons rapazes na lista dos requalificados nesta altura da legislatura... et cetera.



Voltando aos três fantásticos senhores que saíram em Maio, gostaria de lhes perguntar se o objectivo de redução da despesa e da reforma do Estado foi efectivamente cumprida? Tenho a leve sensação que a caldeirada de medidas que foram sendo tomadas ao longo da sua aprazível estadia neste hostel de terceira categoria se saldou num rotundo fracasso. O primeiro relatório após a saída kleenex deixou-me absorto em dúvidas…

E assim fui acrescentando o ano que agora finda, tirando as reduções nos serviços prestados pelo SNS que são tema de capa de jornais de inquestionável reputação [como o CM], abstraindo os cortes verificados na assistência a alunos com necessidades especiais, descontando os cortes nos medicamentos inovadores, deduzindo os cortes na investigação científica e nas bolsas de estudo, abstraindo os cortes na educação e na saúde [entretanto fiquei sem gaze e o tintura de iodo]. 

Penso que no Estado Social [que o rapaz de Massamá tão habilmente defende?!] a única coisa que ainda não sofreu nenhum golpe deverão ser os esquecidos quadros do Juan Miró que provavelmente jazem na garagem do “pseudo” Secretário de Estado da Cultura.

Muito se cortou pouco ou nada se criou ou construiu ao longo destes 364 dias.



Entretanto areia do tempo foge-me, e a esta hora já devia estar a bradar aos sete sóis Bom Ano Novo, num clamor orgiástico de alegria, mas tenho muita pena. Daqui a umas horas é apenas uma quinta-feira em que estranhamente ainda é feriado. Religiosamente vou ouvir com toda a atenção a mensagem de Sua Santidade o Papa, deliciar-me com o Concerto de Ano Novo, dar um beijo enorme aos meus queridos, e vou encarar este novo ano como um dos mais desafiantes e difíceis da minha curta estadia neste abraço de mar.

Ainda assim trago aqui um post-it mental com algumas recomendações que tenciona adicionar à short-list de desejos que acompanham a ingestão tradicional das passas de uva branca [as únicas que ainda tolero ingerir com agrado:

 - Que a miséria social que entristece o silêncio da noite deixe de ser uma triste realidade;
--Que haja um brilho de esperança em cada rosto de desalento que diariamente se extingue;
- Um novo Governo menos arrogante que não nos tome por idiotas e que tenha a hombridade e a dignidade de nos considerar como pessoas;
 - Justiça para quem pede e autoridade para quem exerce;
 - Crianças com professores, essa espécie humilhada e perseguida, que possam desempenhar a sua nobre profissão: ensinar.

 - ..et cetera

A lista é infindável, mas fico-me pelo pensamento contemplativo de todas as desgraças, histórias, casos que fui absorvendo ao longo destes últimos anos. Não são estas palavras vão mudar tudo neste breve segundo de  tempo. Mas dentro de alguns meses serão estas mesmas palavras que me vão orientar os meus votos.


Bom Ano & até já!