31/12/2022

...365

 ...em boa verdade já estamos em 2023, pois neste pequeno ponto azul na vastidão do cosmos, metade dos desejos, metades dos sorrisos e alguns sentimentos de tristeza já são iluminados pelo sol. O mesmo em redor do qual que iniciámos mais uma rotação elíptica, No fundo, é apenas a espuma a do tempo que nos ilude, no meio deste percurso (quase penoso) pela magnetosfera.

Seria preciso uma bola de cristal para adivinhar como serão as próximas 365 jogadas, mas há algo que é bastante concreto e quase certo. Só há três formas de terminar o jogo: ou ganha um dos lados do tabuleiro, ou simplesmente chegam a uma acordo satisfatório para ambas as partes e vão a banhos na praia mais próxima.
O meu desejo para 2023 é... continuar a sentir o tempo passar.
Sinal que ainda estou por cá!
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...terra nullius


Após dois anos em que nos refugiamos num mundo quase asséptico, em que quebramos o pacto solene de confraternizarmos até à exaustão, juntemos uma constatação importante: se a pandemia nos tornou reféns das redes sociais, da saudável distância (muitas vezes autoimposta outras imposta), a guerra que agora nos bate à porta, introduz novos condimentos: controlo, vigilância, a eliminação de opiniões contrárias à linha oficial, e mais e mais propaganda e contrapropaganda.

Se durante a pandemia, fechamos salas de espectáculos, silenciamos a arte e a cultura, e mais uma vez combatemos de forma insana quem pensava de forma diferente, agora com ou sem aforismos, nem metáforas fáceis, entramos na dimensão do inenarrável.

Quando do outro lado da “cortina de ferro” (desenterrei este tesourinho do pós-guerra), assistimos à diabolização do Ocidente (comparativamente à aura renascentista da cultura eslava) e, em simultâneo no outro extremo - no Império do Meio (ao lado daquela península onde um louco brinca com misseis balísticos) -  ouvimos o troar da união dos povos progressistas contra o maldito imperialismo ocidental, entramos gradualmente numa retórica que inevitavelmente conduzirá a ao recrudescer da desumanidade e ao colapso da humanidade como a imaginamos durante estas últimas décadas. Sim. Durante as últimas décadas vivemos uma fantasia de enamorados.

E como se tudo não bastasse, para além da fome, da guerra, do desespero de milhões que tentam atravessar fronteiras, ainda assistimos à barbárie perpetuada por fundamentalistas religiosos que interpretam os ditames da religião que confessam, como símios a interpretar a teoria da evolução das espécies do Darwin. Para completar o ramalhete de preciosidades, a proibição das mulheres de frequentar o ensino no Afeganistão, entra num plano que não é possível postular com algum tipo de coerência filosófica.

Assim de súbito, quase apetece rumar em direcção a uma qualquer terra nullius e aí respirar algum tipo de paz interior, longe, muito longe, para lá do horizonte dominado pelos antagonismos entre os povos, dos delírios religiosos, étnicos, nacionalistas, etc.

Não há forma de entender este admirável mundo novo, nem lendo até à última consoante, até ao último sopro de força.


30/12/2022

...variações sobre um tema

 ...este terá sido, um sério candidato , há já longa lista de piores anos da minha existência. É duro quando somos confrontados com a realidade. Aquela que se esconde [mal] por detrás da zona de conforto.

Eis-nos chegados à tal encruzilha, com 12 passas na mão, 365 dias pela frente, demasiadas incógnitas, um mundo de interrogações, nenhuma certeza ou direção,  


 & uma garrafa de espumante barato!


25/12/2022

..noite de Natal

 

No dia de Natal, tenho em mente, invariavelmente, todos aqueles que asseguram a continuidade de serviços essenciais, para que o outro [todos nós] possa ter algum conforto e assistência. O meu Natal, está com todos aqueles que [sobre]vivem num beco, cobertos de mantas e caixotes de papel sob um céu carregado de chuva, no frio do piso duro que a vida lhes legou.

E em vez dos cânticos eclesiais e a alegria que se percebe, aqui e ali, por detrás dos cortinados ornados de pequenas luzes multicolores, oiço a tristeza escondida de todos aqueles que são companhia da solidão; velhos, jovens, pessoas com as mais diversas fragilidades, longe do país que os viu nascer, fugidos da guerra e de perseguições – expressões deste mundo dito moderno; não interessa a causa das causas, o porquê. Todos aqueles que são transparentes ao olhar da multidão que paira.


Neste Natal, ao cruzar as ruas iluminadas, no meio da confusão frenética das compras de última hora, estou com todos aqueles que circulam carregados com mochilas verdes, amarelas, deixando um rasto [de]cadente, num país estranho que os acolhe a troco de alguma caridade e exclusão.

O meu Natal, está com todos aqueles que estão desempregados, e outros tantos que vivem subjugados à incapacidade de olhar para o dia seguinte sem sentir algum tipo de culpa e vergonha. Neste dia, estou com todos aqueles sem expressão, imersos na escuridão dos dias, noite após noite.

O meu Natal é assim…a olhar para um mundo que não é perfeito, diria quase injusto e profundamente desumano. E para a incapacidade de o mudar.

17/12/2022

...a vida de Brian


Uma mera cortesia transfigurou-se numa espécie de transposição do Rubião em matéria de equidade, de solidariedade. O gesto em si tinha todos os condimentos para ser um penhor digno da época natalícia, mas aquele desvio ideológico, santificado com o mais coerente espírito ultraliberal, quebrou a harmonia do acto e arremessou o pêndulo da justiça social para os antípodas.

Xeque-mate da matemática pura sobre a beleza da epifania.

Se houvesse possibilidade de ilustrar a metáfora, imagine-se os Reis Magos entrarem pelo estábulo adentro e, perante a majestade do cenário, não oferecessem ouro, incenso e mirra, mas apenas uns cupões de desconto para que Maria e José tivessem a oportunidade de adquirir umas papas e um brinquedo para o petiz.

A providência divina, a divindade, e a humanidade ficam reservadas, para aquela criança que, por azar do destino, nasceu no mesmo dia na maternidade privada. A mãe está a acordar do efeito da epidural, e o pai está atrasado no trânsito, mas já enviou mensagem por WhatsApp para o grupo que criou.

O Natal é como a lógica financeira. Tem várias interpretações.

12/12/2022

...o sapateiro

 …quando percorremos as ruas ainda adormecidas pelo sono, há um outro mundo que se revela para lá da penumbra.

Ainda existem velhos sapateiros, que cravam uma agulha no duro couro, para que alguém prolongue a vida de ambos: o artesão e o caminho que os espera.


...também eu vim de uma família de tamanqueiros e sapateiros.

11/12/2022

...estendal

…perdemos. Fomos eliminados por uma equipa que se bateu da mesma forma que também já nos orgulhamos e celebramos.

É o ciclo natural do desporto: perder, empatar e ganhar. Não adianta chorar. Mas podem. Revigora a emoção e exorciza a frustração.

O futebol não é uma luta de vida e de morte na arena perante uma plateia que exige sangue; apenas se exige emoção e entrega. Ela esteve lá, a espaços. Naquele jogo não. Paciência.

O “mata-mata” como simpaticamente o apelidam, é apenas um jogo. Este ficou no intervalo.

A seguir é a segunda-parte.

E outras mais alegrias e tristezas virão. Hoje é dia de arrumar as bandeiras e os cachecóis, manhã serão de novo estendidos.


...por favor

 

A corrupção mina qualquer país, é um cancro que se espalha, na maioria das vezes, de forma silenciosa, outras nem tanto. Por mais surpreendentemente que possa parecer, revela-se em primeiro nas pequenas coisas, situações fugazes. Depois cresce, tal com a sensação que nos alimenta de conseguir sempre algo a “troco de miúdos. Nos estágios iniciais, é o “favor” o “jeitinho”, minudências e carícias de linguagem. Aliás a nossa cultura proverbial está cheia de argumentos a favor quase sacralização da corrupção: “hoje tu, amanhã eu,” “somos uns para os outros” ou então o sacrossanto “quem parte e reparte, e não fica com a melhor parte ou é burro, ou não tem arte. Quem pensar que um provérbio popular é uma blasfémia que atire a primeira pedra.

A corrupção é sempre tema de programa eleitoral, sejam eles quem governa sejam quem grita do outro lado da barricada. De um lado os chamados “tachos” do outro lado, meia dúzia de embalagens de plástico com aspiração ao doce metal. Não se combate, apenas existe e prolifera. Só mesmo quando sai nos cabeçalhos dos jornais e se torna demasiado inquietante e explícita é que soam as campainhas de alarme. Um dia mais tarde, se chegar à barra do tribunal (normalmente uns anos depois), talvez os prevaricadores sejam punidos ou repreendidos (nem sempre exemplarmente é certo). Mas a sociedade tem memória curta e há por aí muitos casos.

De acordo com o barómetro internacional da matéria - Transparency International - em 2021, ca. 41% dos portugueses tinham a sensação de a corrupção teria aumentado nos anteriores 6 meses. Até podiam ser 69% que o impacte seria semelhante. Mais, 81% dos portugueses admitiam que a corrupção dos governantes era um problema grave e 60% acreditavam que as medidas implementadas para (vamos ser simpáticos!) a mitigar, não eram suficientes. Do outro lado da balança 58% dos portugueses tinham receio de retaliações em caso de denúncia. Sobre este último ponto, realmente não me recordo de ninguém que tenha recebido louvores ou créditos por ter denunciado algo. Pelo contrário, por norma e por uma questão de segurança, as denúncias normalmente são anónimas.

Não será necessário procurar mais evidências nas publicações da especialidade sobre o estado da arte, pois o País - e por via dos factos, todos nós – nunca figurará bem na fotografia.



O mais estranho é que, até temos um enquadramento legal bastante robusto. Leis que permitem válvulas de escape, subterfúgios processuais bastante eficazes para atrasar os processos e a complacência política para não dotar a justiça e quem a aplica, com meios suficientes para a combater. Mas afinal porque é que nos queixamos, se até o nosso código penal possibilita a possibilidade de os tribunais passarem a negociar com os arguidos, não só as penas a que eles podem ser sujeitos a troco de uma negociação – vulgo, troca de favores?

A mim não me surpreende que um ministro seja apanhado em esquemas de corrupção, que determinados cargos de nomeação pública sejam ocupados como troca de favores ou compadrios. O que me surpreende é mesmo a falta de vergonha e a estranha capacidade continuarem a sorrir e rematar que está tudo bem como se fossem damas impolutas ofendidas.

É bonito ver como a corrupção cria laços de grande fraternidade. É como uma família. E pelo que temos visto a família, essa instituição secular tem grande força por cá! Ética é que nem por isso.

iceberg

 

A beleza do iceberg reside na dinâmica do movimento de apenas aquela parte infinitésimal que brilha ao sol, interactuando com a aparente acalmia do mar cristalino. Porém, em termos metafóricos, a robustez que a massa imprime na cadência do tempo, deriva sobretudo da grande massa submersa. Uma espécie de inconsciente que não é directamente acessível, que se oculta para lá das primeiras camadas que o sol consegue penetrar. A partir dai é a escuridão, um mundo de silêncio;




 

Há uma dimensão para lá da luz que, sendo inteiramente revelada, pode tornar-se demasiado avassaladora. Daí a beleza do iceberg. Por mais que admiremos, que o dia suceda à noite e que a lua ascenda ao céu, ele permanece lá, na sua cruel dimensão.

 

“(…) Ecclesia catholica filiorum suorum infirmitates agnoscit et confitetur, conscia eorum peccata totidem esse proditiones et impedimenta perficiendo consilio Salvatoris allata.”

 

Ut unum sint, (Ref.3, item 3)