30/12/2014

…et pour cause

…há algo que ainda hoje me desnorteia e que tem haver com a inexistência de imagens ou fotografias relacionadas com a saída limpa dos Srs. Subir Lall, John Berrigan e da Sra. Isabel Vansteenkiste algures em Maio deste ano. Numa época em que sabemos qual teor da ementa do almoço do fulano de Évora, ou as desavenças de uma família de primos desavindos, estranho se abandonaram o país com um largo sorriso ou uma dúvida inquietante!?



É certo que não lhes guardo qualquer tipo de rancor, pois não tiveram culpa formada no estado deplorável desta bodega. Espero sinceramente que tenham feito uma boa viagem e que nas próximas décadas, escolham outro destino paradisíaco para ensombrar a vida de outrem.
Decidi escalar esta montanha russa que foi o ano e por entre entradas e saídas das grades pouco sobra para classificar este ano miserável. De Janeiro a Dezembro é-me difícil não encontrar um screenplay mais adequado para um episódio da série “Prison Break”, se bem que no cômputo de entradas e saídas apenas se note uma evidente ausência de alguém ligado ao caso dos submarinos. Aparentemente [até a deputada Ana Gomes descobrir a rolha do casco!] o caso submergiu a esse subterfúgio habitual da nossa justiça- prescreveu.

[até nisso somos notáveis!]


Assim, depois de folhear o jornal diário, alguns factos que atestam a singularidade deste rectângulo isósceles [não tão complexo como a quadratura do círculo!]: um ex-primeiro ministro preso quando tentava entrar no país com direito a acompanhamento jornalístico exclusivo quase em directo; uma ex-ministra da educação condenada com pena suspensa por prevaricação de titular de cargo político depois de uma grande festa chamada Parque Escolar; um ex-deputado [hábil organista e com tendência para arranjar problemas com herdeiras de fortunas] condenado a pena de prisão efectiva por por burla qualificada num banco [nova moda em Portugal?] e branqueamento de capitais; um ex-ministro condenado a prisão efectiva depois de umas trocas de “robalos” com um vendedor de sucata; um ex-autarca que sai em liberdade condicional depois de uma cuidada dieta prisional; alguns altos quadros do Estado detidos num caso relacionado com vistos dourados em que empresários orientais e outros que tais compram casa preço de ouro [apesar de enganados!]; um crash no sistema informático judicial [muito útil nos dias que discorrem nos jornais] e cujas consequências ainda hoje permanecem no baú dos mistérios insondáveis; um erro matemático primário na colocação dos professores, num ano curricular que começou sem problemas; pedidos de desculpa de ministros que se demitem e são repescados porque já não há bons rapazes na lista dos requalificados nesta altura da legislatura... et cetera.



Voltando aos três fantásticos senhores que saíram em Maio, gostaria de lhes perguntar se o objectivo de redução da despesa e da reforma do Estado foi efectivamente cumprida? Tenho a leve sensação que a caldeirada de medidas que foram sendo tomadas ao longo da sua aprazível estadia neste hostel de terceira categoria se saldou num rotundo fracasso. O primeiro relatório após a saída kleenex deixou-me absorto em dúvidas…

E assim fui acrescentando o ano que agora finda, tirando as reduções nos serviços prestados pelo SNS que são tema de capa de jornais de inquestionável reputação [como o CM], abstraindo os cortes verificados na assistência a alunos com necessidades especiais, descontando os cortes nos medicamentos inovadores, deduzindo os cortes na investigação científica e nas bolsas de estudo, abstraindo os cortes na educação e na saúde [entretanto fiquei sem gaze e o tintura de iodo]. 

Penso que no Estado Social [que o rapaz de Massamá tão habilmente defende?!] a única coisa que ainda não sofreu nenhum golpe deverão ser os esquecidos quadros do Juan Miró que provavelmente jazem na garagem do “pseudo” Secretário de Estado da Cultura.

Muito se cortou pouco ou nada se criou ou construiu ao longo destes 364 dias.



Entretanto areia do tempo foge-me, e a esta hora já devia estar a bradar aos sete sóis Bom Ano Novo, num clamor orgiástico de alegria, mas tenho muita pena. Daqui a umas horas é apenas uma quinta-feira em que estranhamente ainda é feriado. Religiosamente vou ouvir com toda a atenção a mensagem de Sua Santidade o Papa, deliciar-me com o Concerto de Ano Novo, dar um beijo enorme aos meus queridos, e vou encarar este novo ano como um dos mais desafiantes e difíceis da minha curta estadia neste abraço de mar.

Ainda assim trago aqui um post-it mental com algumas recomendações que tenciona adicionar à short-list de desejos que acompanham a ingestão tradicional das passas de uva branca [as únicas que ainda tolero ingerir com agrado:

 - Que a miséria social que entristece o silêncio da noite deixe de ser uma triste realidade;
--Que haja um brilho de esperança em cada rosto de desalento que diariamente se extingue;
- Um novo Governo menos arrogante que não nos tome por idiotas e que tenha a hombridade e a dignidade de nos considerar como pessoas;
 - Justiça para quem pede e autoridade para quem exerce;
 - Crianças com professores, essa espécie humilhada e perseguida, que possam desempenhar a sua nobre profissão: ensinar.

 - ..et cetera

A lista é infindável, mas fico-me pelo pensamento contemplativo de todas as desgraças, histórias, casos que fui absorvendo ao longo destes últimos anos. Não são estas palavras vão mudar tudo neste breve segundo de  tempo. Mas dentro de alguns meses serão estas mesmas palavras que me vão orientar os meus votos.


Bom Ano & até já!

28/09/2014

...a república dos anjinhos

…esta semana tenho andado muito ocupado para me debruçar sobre as repetidas intervenções do Pedro, mas pelo que tenho lido confesso a alguma perplexidade sobre as temáticas que têm originado uma constante presença da sua personagem nos tablóides.

No início da semana ainda compreendi a alusão à “salsicha educativa”, como forma insidiosa de desculpabilizar o pedido de desculpas apresentado pelo seu lugar-tenente da educação. Não vou formular aqui nenhuma opinião acerca das suas qualidades como político, pois ele sabe que não o é, mas antes expressar o meu regozijo pela sua capacidade de raciocínio matemático. A dedução matemática da fórmula reinventada pelo ministério que tutela deverá ser um excelente desafio para mestrados e pós-graduações no futuro.

Depois da rábula de charcutaria, seguiu-se a comédia a la carte dos almoços na ONG CPC. De facto o Pedro falou a mais pura verdade no Parlamento. Não recebeu, enquanto deputado, qualquer retribuição da empresa onde trabalhou. Também não deixa de ser verdade que enquanto deputado, desempenhou com inteira exclusividade (1995 e 1999) enquanto se encontrava intramuros no antigo convento de São Bento.

"Optei por fazer o curso de Economia enquanto trabalhava na Tecnoforma"
Pedro Passos Coelho (2010)
Pedro Passos Coelho (2010)
“Finalmente temos um candidato a primeiro-ministro sem casos passados”
Miguel Relvas (2010)
"A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos."
Platão (séc. IV a.C)

Se rabiscava uns artigos de opinião nos passos perdidos enquanto se deliciava com um café e uma roçadela na barba, como forma de inspiração  lírica, isso são assuntos da esfera privada que não interessa aqui ressuscitar. Igual raciocínio se aplica aos almoços e constantes deslocações que fazia para Almada [sede da ONG que fundou; ainda em exclusividade, note-se!].

Convenhamos, sair do meio de Lisboa, em hora de ponta, e tentar chegar à outra margem de borla, jamais!

Pior,  conseguir conciliar a exclusividade com a quantidade abismal de representações e chás de final de tarde com os deveres de deputado [em exclusividade], não é tarefa para qualquer um.Requer asas!

Nem mesmo o António conseguiu andar em campanha eleitoral para as primárias e estar ao mesmo tempo a desentupir as sarjetas enquanto o temporal afundava a capital, para desespero do vereador queixoso.

Se recebeu e não declarou, não interessa agora. Parte desse problema já prescreveu numa madrugada qualquer de 2007. Aliás, as madrugadas e os fins de semana neste país, são o “sétimo céu” para o exoterismo. Assunto arrumado, aliás…quantos como ele não o fizeram, sem ser necessário qualquer número digno de uma boîte do Cais do Sodré?

O fulcral é que, apenas agiu como qualquer um de nós. Tentou desenrascar-se e não se armou em anjinho. Tout court !

Donc, se o Pedro não se lembra, e o Passos não sabe quanto, porque é que o advogado da antiga empresa há-de saber mais?

"O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê."Platão (séc. IV a.C)
Preocupa-me muito mais os deputados (e alguns anteriores) que exercem actividade profissional, ainda que encapotada por mero aconselhamento ou consultoria, em empresas ou escritórios de advocacia, em claro conflito com o interesse público [a esse respeito aqui fica uma clarabóia para quem ainda tenha um par de asas sobresselente no armário].

Muito se fala promiscuidade entre a política e os negócios [o António bem apontou ao António esta semana no último debate]. Pode continuar repetir esta frase nos próximos anos, pois não vai cansar-se de a ouvir. Faz parte da retórica de qualquer parlamentar digno de tal.

Mas nem tudo foram más notícias para o Governo [exceptuando o caos no Citius, os problemas no arranque do (a)normal ano escolar ou os problemas técnicos na TAP]. De facto a iniciativa da fiscalidade verde, antes mesmo de ver a luz do dia já apresenta efeitos sensíveis ao nível da saúde do Planeta. A camada do ozono tem estado a recuperar, apesar do degelo nos pólos, da desertificação, das alterações climáticas e das frases apocalípticas do Dr. Soares. É sempre bom saber que os velhos ainda mexem. 

"Pedro Passos Coelho fez comigo o que todos os partidos fazem com os mais velhos: afastou-me"Ângelo Correia
Acho que ainda vou a tempo de deixar uma pequena nota  para o Sr. Albino, o secretário-geral AR:
"É perigoso querer corrigir seja quem for"Oscar Wilde


Para terminar, já que o domingo vai longo e tenho o chá a arrefecer, uma palavra de conforto para o António que vai hoje para os anjinhos...

12/08/2014

...o tempo na estrada da Atafona

 
Estes dias de inverno fazem-me lembrar a Lei Seca, por mais que o calendário indique que é Agosto e por conseguinte, Verão, calor e todas aquelas experiências comuns que nos deliciam nesta altura, nunca tanta água se viu fluir nas goelas do nosso descontentamento. Do meu, e daquela senhora que, debaixo do toldo dos gelados Olá, vendia mel e chá de hipericão na vila do Gerês, enquanto fintava o tédio contando os pingos de chuva que caim no passeio deserto.

Sentado na esplanada, enquanto espero no estranho divagar de desconversas em francês e algo semelhante a português, tento folhear o meu arquivo biográfico, um querido mês de agosto tão profundamente encharcado, e reparo que, algures no já no falecido século senti experiência similar, ainda que esse tempo tenha permanecido no sótão dos momentos originais sem qualquer tipo de saudade.

O tempo aqui não passa, é apenas um fio condutor, numa ponta o nascer do sol, noutra o ocaso das horas. Num dia como este, em que o sol se esconde no silêncio do nevoeiro, nem mesmo o tempo tem a capacidade de nos iludir as horas que o sino da torre da igreja nos confia. Ainda pensei deixar este texto para daqui a uns dias, talvez como contra-capa de um sol maior, ou como contra-texto de um esplendoroso dia em que qualquer coisa se passasse nesta estrada, onde ninguém passa, nem mesmo o tempo.

Falando de rotinas, coisa estranha para quem está de férias, hoje de manhã, peguei na objectiva e fui ao café. Encontrei o lugar ideal,  desolado e magnificamente hermético aos caprichos do tempo. Apenas o som do grão a ser moído, aqueles dois idosos a folhear um jornal velho, e ao fundo algo inalcançável de um pouco de nada. O palco ideal para adivinhar estórias e imaginar contos de fadas. Tal como o Buñuel, numa folha já gasta de um jornal de notícias desvendadas, descobri a coreografia para imaginar este texto.

Estou um pouco saturado de toda este vaga-lume em redor do "banco bom e do banco mau", ontem em Braga na Brasileira, apenas e discutia as frivolidades em redor das supostas desventuras deste Távora da etérea finança. Como o próprio um dia disse, a finança é amoral. Fim de citação. Disse tudo de uma vez, só.

Outro facto que tem suscitado alguma raiva pessoal incontida é a falta de rede de telemóvel. Sem rede não há milagres, nem mesmo o mais intrépido evangelista seria capaz de ultrapassar esta sensação de estar algures entre o período da pedra lascada e o início da revolução industrial. Em contraciclo, abundam por aqui painéis solares que dão um retoque poluente á paisagem bucólica desgastada pelo tempo.

Penso que por agora fico-me por aqui, saiu antes que o sino dobre a meia hora, mas deixo na maçaneta o «do not disturb», na esperança que alguém passe e repare, que sai antes do tempo.

20/07/2014

..venenos de inspiração divina

…nos dias em que o espírito santo caiu em desgraça. Mas antes uma passagem prévia pela 27 obras de caridade rumo ao baby-boom nacional. Se não me falha a memória, algures nos meus escritos referi a questão da demográfica como uma ferida indolor que minava o futuro do país, mas isso foi no tempo em que os holofotes estavam virados para outras temáticas menos aborrecidas, e provavelmente para assuntos fracturantes da sociedade, moda com diversos adeptos em Portugal, ainda que cada vez menos.

Desde tempos imemoriais, quando não se pretende resolver assunto neste quadrado cria-se um comissão ou um sucedâneo com efeitos colaterais similares. À primeira vista, a agora extinta Comissão para uma Política da Natalidade em Portugal (segue-se provavelmente outra comissão para apreciar os efeitos em termos orçamentais das medidas!?) seria uma iniciativa pública com importantes contributos da sociedade civil, tratando-se de uma questão de elevado relevo nacional. Mas não. Curiosamente, ou não, tratou-se antes de uma iniciativa partidária do PSD, sem o bene placito do compagnon de route que já veio a terreiro com um sorriso pungente de ironia, reafirmar que a bandeira da procriação descontrolada era do CDS, não fosse ele um partido de inspiração cristã [abaixo a pílula, fora o preservativo].

A ideia até era interessante, e o conjunto de medidas indispensáveis. O problema é que o mentor da ideia, o próprio PPC na qualidade de presidente do grémio laranja foi abruptamente desautorizado uma horas depois pelo PM – o próprio! Mais, a própria ministra das finanças e o líder parlamentar da mesma corte partidária apresentaram desde logo uma bateria de condicionantes e premissas que tornam algumas [ou a quase totalidade das medidas] mais emblemáticas, senão difíceis de executar, quase improváveis de sair da mesma gaveta onde foram produzidas.

Felizmente para os futuros papás e mamãs, uma outra comissão [Comissão da Reforma da Fiscalidade Verde] com igual incumbência de resolver os males que afectam a sobrevivência da portugalidade, retirou os sacos de plástico da cartola e descobriu que o segredo para o sucesso da fecundação, não está no plástico mas sim na velha saca de pano bordado. Eu não discuto o mérito das medidas eco sustentáveis apresentadas, mas duvido que alguma vez os ca. de 180 M€ milhões de euros das medidas que visam a protecção ambiental à custa de um aumento encapotado de impostos sirva de leitmotiv para compensar os ca. de 300 M€ aumento da natalidade. Talvez fosse preferível substituir o látex por um paninho e poupavam-se uns trocos à custa de uns sustos no final do 9º mês!

E por favor, não façam das pessoas que lêem notícias meras indigentes! Aumentar a incidência fiscal sobre o carbono não pode ser considerada uma medida neutra em termos fiscais, e a probabilidade de interferência da designada eco inovação e a eficiência na utilização de recursos, ou mais espantosamente, «fomentar o empreendedorismo e a criação de emprego», só constituir um exercício infeliz de wishful thinking de algum assessor depois de uma noite mal dormida a pensar nas obrigações da Rio Forte!

Nota da administração antes de passar à gross matter, acho deliciosa a troca de galhardetes entre o ex-bloquista Daniel e o novel comentador Louça. É espantosa a diversidade de sensibilidades [ou falta dela] que grassava na sede do Bloco. Mais ainda, é a arrogância que a actual intelligentsia bicéfala Bloco revela, quando os seus principais quadros se desvinculam de um partido que se afunda num conceito inexplicável de querer apenas e somente influenciar e não tomar parte de uma solução efectiva de governo. Acresce, as propostas bizarras que o economista Loução e um conjunto de notáveis apresentaram para a reestruturação da dívida. Um trabalho académico, notável de todos os pontos de vista, menos o da clarividência.

E por falar em Rio Forte. Há uma ribeira em Aljustrel que dá pelo nome de ribeira da Água Forte que por sinal a única coisa forte que transporta no seu caudal, são as escorrências tóxicas das minas de Aljustrel. Também temos a água forte (HNO3), que era um produto com o qual sempre tive alguns cuidados no seu manuseamento nas minhas aulas de quimicotécnia [disciplina desaparecida da oferta educativa do do actual secundário], dado que queimava de forma ostensivamente lancinante. Finalmente, segue-se o Rio Forte, a ESI, a ESFG, o GES e todos aqueles que durante as últimas décadas moldaram esta nossa peculiar portugalidade das formas mais retorcidas e insuspeitas.

Não vou abordar os efeitos de largo espectro do DDT, pois na minha cadeira de biologia do 12º já na longínqua década de 80, a sua utilização era proibida em Portugal. Apenas como curiosidade científica, os efeitos do DDT na cadeia trófica prolongam-se por aproximadamente três décadas. Daí que, gostaria de expressar desde já o meu aplauso à equipa de voluntários que vai tentar desintoxicar o ambiente. Esta sim, a verdade reforma verde, com efeitos imediatos e persistentes na natalidade.


Por favor salvem o porquinho mealheiro BES da Agatha Ruiz de la Prada!

04/05/2014

...nas asas de um anjo


Não gostava de ser mosca para estar dentro do conselho de ministros. O assunto que hoje é ardiloso mas tem um renovado interesse, ou quase nenhum. Mais uma mentira em formato pdf com o rótulo de confidencial, que vai dar origem a uma a duas folhas A4, condimentadas com a ignorância de quem as vai ouvir e o desprezo de quem as vai ler, com as prerrogativas da conquista da autonomia, da liberdade, blá, blá, blá!  O DEO, qual anjo caído em desgraça [por aqueles que ainda ousam pensar um pouco neste país] foi o mote para o destino imaculado que nos está a ser apresentado neste momento em directo do Palácio de São Bento. 

"No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise."
 Dante Alighieri

Longe de ser um lanche dos conjurados [a léguas do jantar de 1640] apraz-me sentir algum alívio por estar a terminar este passo, da nossa árdua caminhada até finalmente algures no séc. XXI quando pagarmos uma parte substancial da nossa dívida e nessa altura [finalmente], os representantes do triunvirato abandonarem definitivamente o nosso país. Nessa altura provavelmente o relógio do Paulo, deverá ser uma peça esquecida numa manta na Feira da Ladra. Da multidão gritam, reestruture-se a dívida[vide manifesto dos 70+4]. Céus! que drama se abateu por todos aqueles que ousaram apresentar uma via alternativa!Excomungados. A Alemanha também teve um perdão de dívida,  e não foi esse factor que a depreciou como país; sobre a Islândia prefiro nem abordar o tema, pois o bacalhau é de excelente qualidade; a Grécia já teve vários perdões, alterações da taxa de juro, reestruturação das maturidades da dívida, e não é por isso que Santorini vai volta a entrar em erupção, isto partindo do princípio que ainda não foi vendido!? A Finlândia em tempos também viu parte da sua fome amenizada com o contributo português, e não é pelo simples facto de agora estarem do outro lado da barricada que vamos deixar de olhar com desconfiança para eles [o mesmo não sucede com os telemóveis da Nokia!]. Os nossos grandes amigos holandeses. Uns verdadeiros gentlemen. Só nos podem agradecer o facto de os termos expulso os judeus de Portugal [infelizmente não preservamos a herança de D. Afonso V e só tivemos a clarividência de extinguir o Tribunal do Santo Ofício, em 1821!]. Assentaram  arraiais na Flandres e floresceram à custa da nossa falta de visão no comércio mundial da época em que jorrava ouro no cais da Praça do Comércio, onde agora sobram lamentos e manifestações.

Somos um povo que deu "novos mundos ao mundo", saga cantada em verso por um grande fidalgo expatriado conhecido pela sua fama de mulherengo e exímio devedor; um bando de homens lutadores de bom coração que se orgulham do seu legado humanista. Gostei de saber que o Paulo entregou a versão inglesa dos Lusíadas aos senhor Subir Lall e aos seus pares. Também gostaria de oferecer ao Portas o Envageli Gaudium em latim, para que de uma vez por todas abandonasse aquela veia de provincialismo bacoco com que nos brinda com as suas analogias deprimentes sobre os valores cristãos que tanto apregoa. Como sugestão, talvez para a próxima reunião de "vigilância reforçada" com os senhores da Troika, "A Queda de um Anjo" do Camilo Castelo Branco.  Indubitavelmente a  obra que encaixa melhor com o moralismo intrínseco à matriz sociopata do Palácio de São Bento.
Para leitura de cabeceira, deixo aqui este quadro com os meus agradecimentos ao Banco de Portugal. Penso que é um bom resumo para três anos em que mais do que reestruturar, refiundar o Estado e mudar o rumo do país, apenas se destruiu a esperança de milhões e iludiu outros tantos com um chorrilho de mentiras e declarações indigentes:



A realidade dos números supera grandemente a ardilosa vontade de enganar os ignorantes e os pobres de espírito [Boletim de Estatísticas do Banco de Portugal]. Mas quem sou eu para afirmar que o país está definitivamente pior?

“Deixem entrar a luz!” 
Goethe

Mas olhemos para o futuro com ânimo. O testamento de um Governo, que a alguns iludiu [mea culpa], é um farol que nos permite seguir rumo ao canto da sereia com alguma segurança. Ainda num contexto de um "colossal aumento de impostos", fomos presenteados à coisa de alguns dias com uns ligeiros retoques na taxa de IVA e na TSU, prometidos com ansiedade para o amanhecer de 2015. Não. Não se trata de aumento de impostos. Longe disso [esta parte do texto deve ser lida com o mesmo entusiasmo do discurso Crispin Crispian da peça shakespeariana Henrique V].

Mas há mais. Apesar da previsão do aumento das receitas fiscais em termos percentagem do PIB para este ano e para 2015, anda a pairar no ar a ameaça de suavização do IRS para as famílias [por norma a descida de impostos é oferecida com um tom mais sauve e floreado do discurso; vide última conferência de apresentação do DEO e para a água de rosas que emana da boca da nossa ministra da fazenda pública!]. Isto depois de um aumento do horário do trabalho, do congelamento das carreiras, da redução de trabalhadores, do aumento dos descontos para a ADSE, da alteração da tabela remuneratória, da redução dos suplementos, e ainda falta descortinar a famosa tabela salarial única. A reposição de 20% com promessa de novo aumento daquilo que foi tirado  [dixit], indexado à evolução da economia e a redução do número de funcionários públicos e massa salarial, é algo similar a uma fatia de de queijo de Azeitão condimentado com raticida. Só come quem está cego de fome.



Perguntam-me se o governo fosse de outra cor partidária, o panorama seria idêntico. Respondo com a mesma ironia utilizada pelo senhor Obama, a rosa seria o novo negro. Talvez de forma mais fofinha, com aquele aroma de humanismo social que caracteriza o socialismo europeu. Talvez o problema não esteja na cor partidária, mas antes na filosofia e na praxis que corrompeu e destrói o sonho e a caminhada europeia idealizada no Tratado de Roma, antagonizada no Tratado de Maastricht e desfeito no Tratado de Lisboa. Hoje somos uma Europa de estados devedores e estados credores, em que os primeiros determinam o destino dos segundos a seu belo prazer. Talvez o problema não seja nosso, talvez o problema não seja do Camões, talvez mesmo, o anjo nunca tenha tido asas para voar?

“Onde, estridentes gritos escutando,
Verás almas antigas em tortura
Segunda morte a brados suplicando.

“Outros ledos verás, que, em prova dura
Das chamas, inda esperam ter o gozo
De Deus no prémio da imortal ventura.

“Se lá subir quiseres, um ditoso
Espírito, melhor te será guia,
Quando eu deixar-te, ao reino glorioso."

Dante Alighieri

23/03/2014

...a constante de Hubble


Esta semana foi marcada por 3 momentos, um deles faço menção mais adiante mais adiante; a intervenção crispada do PR sobre os gandins políticos que pululam um pouco por ai e que já se preparam para um carnaval de horror nas Europeias de 25 de Maio e a prescrição (tentada) de alguns casos mediáticos. O terceiro é servido com caviar de esturjão do Alentejo.

Já estamos habituados às comunicações do nosso PR, algumas das quais verdadeiras pérolas de oratória (para quem não se lembre, retiro aqui do baú a célebre referência às escutas!). Desta feita o cidadão de Boliqueime seguiu o traço do  inconseguimento em matéria de dialéctica política; mais do que consensos forçados e lamentos presidenciais, a política constrói-se, sobretudo a partir das clivagens ideológicas e do confronto entre opiniões. Unanimismo, no meu singelo entender, era a receita da anterior Assembleia Nacional. Esterilidadeé manter esta teimosia em forçar pontes entre duas "margens" que se afastam cada vez mais, um pouco como a constante de Hubble.
Seria mais fácil sentar o beirão Seguro e o transmontano Passos a comer bolo-rei na praia de Carcavelos, do que desempanar toda a engrenagem dos aparelhos que os impele a simplesmente evitar qualquer tipo de entendimento. Todavia há um facto subliminar nesta alocução sobre os bons malandros e demais hordas; recuando um pouco na década, ainda no tempo em que no Largo do Rato ainda havia vida, quem não se recorda das atoardas bolcheviques de Belém contra a Crimeia socrática de São Bento. Nessa altura, estou certo que o telefone vermelho de Belém não aparentava brandura e a pudicícia que agora apregoa. Ou, o que dizer da bonomia do seu discurso de vitória após as últimas presidenciais? Há quem diga que o povo tem uma fraca memória meteorológica, ao qual eu acrecscento que o mesmo chefe que desenterra o machado de guerra é o mesmo que no dia seguinte dança a implorar chuva aos deuses.
É óbvio que o resultado final depende da maior ou menor quantidade de tabaco que se inala. Em suma, ficamos a saber que o nosso espectro político é composto por malandros e mafiosos cuja absolvição, já nem o cardeal Bergoglio consegue interceder! Mas tudo bons rapazes, assinale-se!

"Poder es la capacidad de hacer cosas, política es la capacidad de decidir qué cosas hacer, de elegir. Los gobiernos tienen políticas, programas, pero no el poder para aplicarlos. Antes, los gobiernos tenían el poder y hacían política. Eso ya se acabó porque el poder emigró y es global, pero la política sigue siendo tan local como hace 400 años. La política no tiene poder y el poder no tiene control político. En esa situación, las clases medias cada vez influyen menos, y eso es un peligro mayor para la democracia."
Zygmunt Bauman

Por falar em mafiosi, voltemos a ponta da carabina para outro assunto de relevante interesse. Na minha lista cinematográfica há um filme que recordo sempre com alguma saudade, sempre que o tema impoluto vem à baila – Goodfellas do Martin Scorsese; esta semana tivemos três bons exemplos, dois casos que envolvem ex-banqueiros, e um caso mediático que envolve um sucateiro, um ex-ministro e um grupo interessante de altos quadros do apparatchik do Estado. Se isto fosse um filme francês, faltaria só o marido corno e uma vizinha lasciva para compor o set burlesco. Mas não é, é mesmo um remake do Grande Elias, sendo que no caso concreto a tia rica do Brasil somos todos nós com os nossos impostos! Mas vamos a factos: esta semana fomos informados que devido a uma questão de dias um dos processos movidos contra o Jardim (não confundir com o outro que fuma charutos cubanos!) prescreveu, entretanto nas alegações finais do caso Face Oculta [excelente nome para boîte de alterne!] a advogada do arguido Lopes Barreira entrepôs um um requerimento a invocar a perda da eficácia de toda a prova produzida, por terem passado 30 dias (imagine-se) sem produção de prova (apenas a análise de uma fotografia comprometedora!).
Quando falo em nulidade é efectivamente apagar os autos das 170 sessões que o processo já leva! Trivial! Mas não desesperemos, apesar de ficar isento de pagar a esmola de 1 milhão de euros e de poder retomar a sua actividade bancária, esta oferenda da nossa justiça não é “um brinde e uma graça de Deus” (Jardim dixit!), graças ao nosso Comendador com sotaque madeirense, decorre em tribunal outra acusação, para além disso o processo só vai prescrever em 2018!!! À cautela, aconselhamos o ilustre Jardim a manter a mortificação corporal, não vá o diabo tecê-las.

Entretanto não muito longe deste labirinto de fauno, outro processo caminha para um fim equiparável: após o voto de silêncio apenas interrompido por umas sandes na Comissão Parlamentar de Inquérito em que devorou a mansidão piedosa dos deputados da nação, O Costa [não confundir com o respeitável Simplício Costa, para os amigos Costa do Castelo, um verdadeiro homem de acção] nunca mais foi o mesmo. Neste momento alega ser mais pobre do que o franciscano Melícias, que é o mesmo que dizer, arranje-se mais um desses impostos à la carte sobre o funcionário público para cativar igual verba!

"Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete."
Mt 18: 21-22

O Manifesto dos 70 depurado das várias fragilidades e conteúdo político que encerra, é no meu singelo entender, um bom documento para reflexão futura. Se me questionam se concordo com tudo, a resposta é um rotundo não, se concordo com a oportunidade do mesmo a resposta é invariavelmente a mesma. Mas se me perguntarem se Portugal aguenta este nível de austeridade cega e na capacidade de honrarmos os prazos e as metas económicas, a resposta é tão óbvia como as testemunhas de Jeová começarem a vender árvores de Natal em frente à sinagoga de Lisboa!

Mas ainda assim é óbvio que por mais malabarismos que a actual maioria decida mais tarde ao mais cedo o assunto restruturação vai voltar á baila, e isto é tão certo como amanhã o Gaspar dizer uma piada! Como nota de rodapé, já considerei levar o manifesto ao meu banco para (des)estruturar a minha hipoteca; ou há moralidade ou comem todos.

Entretanto na Crimeia, tudo rola à boa maneira bolchevique, tudo o que é ucraniano é invasor e os referendos servem para anexar as bebedeiras de outros tempos! Na prossecução da sua política ad terrorem, Putin renasce o antigo império sob a complacência de uma Europa mais preocupada com os malandros perguiçosos do Sul. Mas como o Rock in Rio realiza-se no dia das eleições, há uma trivial esperança que nada mude na burocracia de Bruxelas e que mais uma vez a malta não vá em cantigas! Sr. Putin faça de conta que é da casa!

Assim vai este meu pequeno mundo de ideias que oscila em torno do universo dos meus pensamentos. Como tudo o que acontece, à medida que a razão se afasta da realidade a velocidade de afastamento supera a mediocridade dos factos que nela ocorrem.

"É muito fácil viver fazendo-se de tonto. Se o tivesse sabido antes, ter-me-ia declarado idiota desde a minha juventude, e poderia ser que, por esta altura, até fosse mais inteligente. Porém, quis ter engenho demasiado depressa, e eis-me aqui agora, feito um imbecil."

Fiodor Dostoievski


 

02/03/2014

....hipócritas uni-vos

Há datas que merecem ser comemoradas. Há precisamente uma semana, ficamos a saber directamente do Coliseu de Lisboa que Portugal estava melhor. Para os anais fica a euforia glaciar da horda de gladiadores que se preparava para o “morituri te salutant” da praxe. No dia seguinte o país acordou definitivamente igual à sexta-feira anterior à jornada do Coliseu, mas com arco-íris, fadas multicolores e unicórnios a pastorear a paisagem urbana da urbe.

Também ficamos a saber que o partido primeiro padece de uma tilintante crise de identidade, pois mantém-se a dúvida se o liberalismo selvagem que caracteriza a práxis é ou não compatível com o santo graal da social-democracia. Um pouco à semelhança da gaveta onde o Dr. Soares um dia resolveu enfiar o socialismo. De facto, esta tendência para a auto flagelação ideológica dos partidos portugueses começa a ser um sintoma freudiano de relevante interesse científico. Talvez resida neste tema, uma boa base para quem sabe, uma pós-graduação em guardanapo de pastelaria, ou uma tese de doutoramento honoris sem causa para algum doutor sem canudo?

Mas o conclave trouxe-nos ainda mais surpresas. A primeira é que os taxistas de Lisboa desempenham um papel mais importante do que as pessoas pensam em termos de proto candidaturas às presidenciais de 2015; o segundo é que as travessias no deserto duram menos tempo do que os profetas ousaram evangelizar e que a obrigação de defender os amigos é coisa tramada em política, mesmo que isso implique uma descida aos infernos electivos. Curiosamente, no momento da chamada ao “poço da morte” Lázaro preferiu um chope em Copacabana. Fica a intenção, e o facto de as hordas terem assobiado para o ar, nomeadamente todos aqueles que supostamente o substituíram em tão nobre caminho para o calvário.

Sim leu bem, o proscrito foi substituído por mais do que um iluminado, ou não fosse esta a regra micológica (jobs for the boys) de qualquer partido que se digne pertencer ao ditoso arco da governação.

Mudando a cor da pena, mas mantendo uma fidelidade visceral à caligrafia, já tivemos a Aliança Atlântica, a Aliança Seguradora, os chocolates Aliança, os vinhos Aliança, a saudosa Aliança Democrática e agora, nova tragédia se abate sobre a instituição casamento – a Aliança Portugal. Com o souplesse que caracteriza os noivos, a participação já seguiu mas infelizmente nem todos poderão participar nas exéquias!

Uma nota de cariz estritamente pessoal: informo os ilustres membros do corso carnavalesco que este ano decidi mascarar-me com uma espécie de manto de invisibilidade. Por isso se não derem por mim, vou andar por ai, como o Santana Lopes costuma fazer. E muito bem, diga-se em abono.

Deo gratias, os quadros do Miró estão de novo em solo pátrio. Há duas hipóteses em aberto: ou substituem "As Tentações de Santo Antão" do Hieronymus Bosch ou seguem directamente para o catálogo de promoções do Continente.

Apetece-me dizer uma coisa diferente: gostava mais do tempo em que era freguês e não cliente. O serviço era melhor.

Para terminar em beleza, um anúncio com grande impacte para o sector turístico (talvez mesmo superior às exportação de refinados da Galp!?): os membros da TROIKA não vão abandonar o nosso país dia 17 de Maio mas em Junho. Se continuarem as promoções nos hipermercados, talvez mesmo fiquem por cá até ás Feiras Novas de Ponte de Lima, ou quem sabe ainda a tempo de dar um saltinho até à última romaria minhota - Feira dos Santos em Valença.

Por isso digo-vos, proletários de todo o mundo e arredores da Póvoa de Lanhoso, uni-vos.


…bom carnaval!

10/02/2014

...incerteza



"A incerteza é uma margarida cujas pétalas nunca acabam de desfolhar."


Mario Vargas Llosa

09/02/2014

...o ano em que Josef K. desapareceu

Não vou falar de praxes pois é assunto que no momento actual foi arquivado na secção de futilidades. Vou antes falar do misterioso desaparecimento de Josef K..
 
Josef K. desapareceu das estatísticas do desemprego. A notícia circulou na semiobscuridade dos meios de comunicação social. Podia ser mais um desaparecimento de uma não pessoa, não fosse o caso de juntamente com ele, uma centena de milhares de linhas nessa lista de inoportunos, ter igualmente passado para o anonimato da inexistência. O rapto é um assunto sério, e provavelmente crime, mas o desemprego, uma coisa aborrecida, pelo menos para alguns. Menos para o senhor Huld.
Estranhamente não foi apenas Josef K. que deixou de constar do mundo dos inocentes. A senhora Bürstner, e milhares de outras deixaram de beneficiar do RSI: Provavelmente deixarão de viver o fausto das suas vidas e regressar a uma (in)existência mais terrena. Todos incapazes de confessar o seu pecado original, arguidos e condenados pela falta de esperança, pelo excessos cometidos, irremediavelmente condenados a viver com o estigma de não serem capazes de seguir os ditames da nova classe dirigente. O mundo que lhes existia assim mesmo, deixara de lhes assistir. Restava-lhes então fatigar essa culpa formada, com o silêncio ou a resignação.
A vida da Leni também sofreu um abalo com o desaparecimento de Josef K.. Obrigada a partir, sem lugar certo para ir, vê-se confrontada com o vazio dos dias que passam sem que a luz de esperança lhe devolva o sentido da alegria, que antes ousara sentir.
m contrapartida Karl, vivia a melhor das suas vidas, mesmo sendo velho antes de o ser, aprendera a suportar a realidade com um sorriso estampado. Dizia muitas vezes, entre amigos, que o presente era indubitavelmente mais suportável do que o passado recente. Pelo menos agora os netos iam para a escola calçados, enquanto no seu tempo, o toque suave da tinta-da-china e o pó de giz eram os únicos vislumbres de modernidade, numa altura de fome e repressão. Talvez tivesse razão. Em boa verdade, o país não era mesmo de há quarenta anos. Obviamente Josef K. discordava com esta opinião. Agora desaparecera.
Contactado por Leni, o senhor Huld tentou sem sucesso (não espanta) descobrir o paradeiro de Josef K.. Era conhecida a sua admiração, mais ainda a abnegação pela nova ordem. Um dia confrontado com essa estranha incapacidade em materializar algo mais concreto do que meras suposições, Leni confronta-o. A ansiedade tinha-se transformado em obsessão:

- Existira então esperança fora desse mundo de aparências que conhecemos?

Huld riu-se.
 - Há esperança suficiente, esperança infinita, mas não para nós!

Talvez um dia Josef K. regresse.
Talvez tudo não passe de um sonho aparente.

“Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”
Dante, Divina Comédia

05/01/2014

...in memoriam


...as lendas são eternas, assim como a memória da glória atingiram!