12/08/2014

...o tempo na estrada da Atafona

 
Estes dias de inverno fazem-me lembrar a Lei Seca, por mais que o calendário indique que é Agosto e por conseguinte, Verão, calor e todas aquelas experiências comuns que nos deliciam nesta altura, nunca tanta água se viu fluir nas goelas do nosso descontentamento. Do meu, e daquela senhora que, debaixo do toldo dos gelados Olá, vendia mel e chá de hipericão na vila do Gerês, enquanto fintava o tédio contando os pingos de chuva que caim no passeio deserto.

Sentado na esplanada, enquanto espero no estranho divagar de desconversas em francês e algo semelhante a português, tento folhear o meu arquivo biográfico, um querido mês de agosto tão profundamente encharcado, e reparo que, algures no já no falecido século senti experiência similar, ainda que esse tempo tenha permanecido no sótão dos momentos originais sem qualquer tipo de saudade.

O tempo aqui não passa, é apenas um fio condutor, numa ponta o nascer do sol, noutra o ocaso das horas. Num dia como este, em que o sol se esconde no silêncio do nevoeiro, nem mesmo o tempo tem a capacidade de nos iludir as horas que o sino da torre da igreja nos confia. Ainda pensei deixar este texto para daqui a uns dias, talvez como contra-capa de um sol maior, ou como contra-texto de um esplendoroso dia em que qualquer coisa se passasse nesta estrada, onde ninguém passa, nem mesmo o tempo.

Falando de rotinas, coisa estranha para quem está de férias, hoje de manhã, peguei na objectiva e fui ao café. Encontrei o lugar ideal,  desolado e magnificamente hermético aos caprichos do tempo. Apenas o som do grão a ser moído, aqueles dois idosos a folhear um jornal velho, e ao fundo algo inalcançável de um pouco de nada. O palco ideal para adivinhar estórias e imaginar contos de fadas. Tal como o Buñuel, numa folha já gasta de um jornal de notícias desvendadas, descobri a coreografia para imaginar este texto.

Estou um pouco saturado de toda este vaga-lume em redor do "banco bom e do banco mau", ontem em Braga na Brasileira, apenas e discutia as frivolidades em redor das supostas desventuras deste Távora da etérea finança. Como o próprio um dia disse, a finança é amoral. Fim de citação. Disse tudo de uma vez, só.

Outro facto que tem suscitado alguma raiva pessoal incontida é a falta de rede de telemóvel. Sem rede não há milagres, nem mesmo o mais intrépido evangelista seria capaz de ultrapassar esta sensação de estar algures entre o período da pedra lascada e o início da revolução industrial. Em contraciclo, abundam por aqui painéis solares que dão um retoque poluente á paisagem bucólica desgastada pelo tempo.

Penso que por agora fico-me por aqui, saiu antes que o sino dobre a meia hora, mas deixo na maçaneta o «do not disturb», na esperança que alguém passe e repare, que sai antes do tempo.

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