…é um lugar comum dizer-se há uma estrela que à noite vai brilhar mais no céu. Não é o caso. Todas elas têm o mesmo encanto, independentemente da luz que anunciam. Alguns até são planetas, e apenas refletem. Esta noite serão exactamente as mesmas estrelas d’ontem, mas diferente a maneira de as contemplar. Mas o que me traz por aqui não é uma reflexão sobre astronomia, mas sobre a marcha do tempo. Amanhã prossegue o trabalho artesanal desta Primavera que floresce. O
mesmo chilrear do estorninho, a mesma azáfama na capoeira, a erva que não para de verdejar, o ruído suave das motas que circulam, o lento anunciar d’ horas do sino, e por ai adiante. Não obstante, as ovelhas não vão sair da corte, pois a pastora não vai estar. Ainda assim, as tulipas continuam a crescer, tal como os lírios no campo, e as nuvens ornar o azul do manto sobre o vale verdejante. E passado este clamor de cores e sons mais ou menos melodiosos, o melro há-de cantar, assim como o cartaxo ou o pintassilgo; quando o estio estiver no auge, lá andarão as ovelhas felizes no prado de lima, enquanto mais acima, a pastora as há-de guardar. O relógio na torre continuará a cantar as horas e já quando os dias começarem a minguar, o pintor irá por certo anunciar a boa vindima e no campo, a espiga será pão p’ra todo o ano. Segue-se a desfolhada e a vindima, e num lapso de tempo, as chuvas que o outono nos trás, convite p’ro serão do crepitar as castanhas no lume de caruma. Quentes e boas, fruto do souto, que dá nome à terra que a viu crescer. É altura do vinho novo e uns tempos depois, o Advento, e com ele o frio e o vento que nos aquece a alma desnuda a folhagem do ramos. O vale ganha agora tons terra, e os dias dos menos do que o sono das horas. Quando damos por ela, é Ano Novo, e por entre o foguetório e a lembrança do ano que passou, a pastorinha continuará a andar por cá, bem cá dentro. Vem o Janeiro, o Março em voo de andorinha e de novo a Páscoa do Senhor . Os dias prosseguem, e há medida que as estórias forem aflorando na memória, a pastorinha continua sempre por perto, mesmo cá dentro. E quantas estórias não hão-faltar, tantas ou mais que as memórias. Mais do que estrelas nesse céu que todos os dia nos enche de uma escuridão bonita. Por isso, e por uma imensidão de motivos, não será esta a noite que a tal estrela irá brilhar. É muito mais do que um mero cintilar, são todos os momentos que foram
e continuam por cá, bem dentro.
É tudo isto no ano em que o cuco não cantou….