06/03/2011

...o ano da morte de Alberto Granado

...aos poucos caiem como peças de dominó, uma após outra, as ditaduras islâmicas suportadas e acarinhadas pela real politik europeia e norte-americana. A esse propósito, retive com alguma ironia e pude deixar de apreciar a postura blasé do nosso bem Amado ministro dos assuntos externos (gosto mais do sotaque do inglês foreign affaiars), ao descaracterizar toda da a polémica em redor do reiterado apoio do ainda actual Governo à ditadura do coronel Kadhafi.
É caso para perguntar, e se Portugal não tivesse interesses nesse e noutros países nas barbas do deserto do Sahara? E se da Argélia, Líbia ou Nigéria não caísse pinga de ouro negro ou sopro de gás natural? Estaria a fortaleza europa tão receosa das movimentações desses povos? E se um dia jangadas milhares desses Povos do Mar sulcarem as águas do mar do meio e entrarem na fortaleza que dizemos nossa, em busca de melhores condições de vida? Quem terá capacidade para suster esta massa humana, quem terá a coragem política de submergir essa vontade sonhada por cada vez mais povos que resistem às migalhas lançadas pela cobiça dos povos da velha europa?

Mas não deixa de ser inquietante ver o quão frágil é a estrutura do poder nestes países tão perto de nossa casa, e a velocidade com que o vírus ou a vacina (alea jacta est) se propagou na maré desse mar que nos divide e nos une. Contrariamente a outras revoltas, não vi bandeiras dos inimigos clássicos a serem queimadas, não vi o livro sagrado bem alto no céu com uma mão firme a apelar ao Altíssimo morte aos infiéis! Vi novos e velhos. Vi gente do campo e da cidade, gente como nós com uma vontade enorme de mudar. O tempo decidirá o pendor da mudança.


De volta ao nosso canto, cumpri a velha tradição de não assistir ao festival da canção. Na minha lembrança saudosista, recordo apenas o playback do Carlos Paião, o mítico José Cid e o fabuloso Quarteto 1111, o grande Fernando Tordo e a voz do Carlos do Carmo, a nossa Simone ou a singular Tonicha. Alguém se lembra dos Gemini? Ninguém. O Festival da canção morreu com o apogeu da cor.



Confesso que fiquei espantado para não dizer intrigado quando hoje de manhã vi que os Homens da Luta tinham vencido a edição deste ano. Como diria o nosso caro Primeiro “este é um momento histórico”. Da mesma forma que a revolução de jasmim nasceu do Facebook e das redes sociais, por cá o povo tomou a palavra e por momentos pudemos saborear um doce aroma a PREC como há muito não se via neste país. É caso para gritar bem alto: tragam-me um cabaz de madeira para eu subir e gritar!. É disto que o povinho é gosta!
Realmente vivemos momentos históricos, épicos eu sei lá mais o quê. Falta-me adjectivos e prosa homérica para classificar tudo o que me vai no rodapé. Por exemplo quem poderia imaginar um primeiro-ministro português deslocar-se com o séquito das finanças ao gabinete da Sr. Merkel, para  pedir a bênção e aprovação das medidas do PREC e as que se seguem (já se falam na versão 3.1a!). Já estou a imaginar o nosso Primeiro com o nervosismo que o identifica e o ministro do fazenda pública com os dedos suados a tentar limpar os números da execução orçamental de Fevereiro no seu Ipad, ambos sentados na antecâmara de espera, com a sinfonia inacabada de Schubert no ouvido e a incerteza dos mercados na cosnciência. Que revistas terão lido? a Hola! espanhola, a Caras portuguesa ou corrosivo Der Spiegel?
Nestes quase 37 anos que nos separam da madrugada dos cravos, nessa manhã em que as gaivotas voaram, com asas de vento, e coração de mar, nunca imaginei sentar-me na sala de espera com a dúvida oscilante entre a sandes de coirato e a salsicha Bockwurst. Provavelmente daqui a uns tempos para além ámen ao Orçamento da República, seremos convidados a introduzir o alemão nas escolas e a substituir o renegado Camões por um mais consentâneo Goethe.

Espero sinceramente que a Cimeira de Primavera decorra com o vento de feição e que em Outubro possamos celebrar de forma entusiástica a Oktoberfest sem o catarro dos mercados, nem a micose do FMI a assar as pertuberâcias nacionais.
No entretantos, sempre podemos exportar os Homens da Luta para aquecer as hostes da chanceler. De uma coisa podemos estar garantidos: da mesma forma que o campeonato já não sorri ao Sporting, já ninguém nos tira o último lugar no Festival da Eurovisão.
Mudando agora o catavento para sul, fiquei amedrontado com a revelação surpreendente do ex-presidente Dr. Jorge Sampaio. Portugal está “em apuros”. Não fui eu que disse, não foi o também ex-venerado Dr. Mário Soares (mais preocupado com do day-after da manifestação da “geração Deolinda”) e muito menos o benjamim António José Seguro que esta semana se colocou (também ele) em cima do caixote da fruta e disse que depois de Sócrates logo se vê.
E assim vamos nós alegremente, avenida da liberdade abaixo no cortejo carnavalesco da fábula de duas páginas do Bloco de Esquerda, e uma manifestação des parvos e parvas que os Deolinda cantam. “É disto que Portugal precisa” usando soundbyte preferido do nosso caro Primeiro.


Notas do chefe de mesa: recomendo vivamente o filme Black Swan uma petit chef-d’oeuvre com uma interpretação notável da bela Natalie Portman (profunda admiradora do irrecuperável Galliano) e por último uma lufada de ar fresco em termos de banda desenhada: Rango, um extraordinário western spaghetti camuflado com humor por um camaleão com problemas de identidade, uma banda sonora sob a batuta e mestria da ILM. Sabe bem o cinema pipoca sem os incomodativos óculos 3D!
Entretanto divirtam se e aproveitem para se desmascararem. Afinal de contas há que aproveitar estes dias para deixarmos de ser palhaços tristes.
No ano da morte de Alberto Granado a pobreza e à injustiça social persistem de mãos dadas com a desigualdade, o desemprego e a fome envergonhada. A luta por um mundo mais justo e melhor não é uma ideologia nem uma utopia. Infelizmente, é uma necessidade.

Bom Carnaval!

photo by: Michael Papendieck


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