31/12/2015

...aqui jaz quem já não esteve

"Que sei eu do presente, salvo que ele é já o futuro?" disse Fernando Pessoa. É sempre difícil traçar um retrato do que se passou ao longo de um ano, pois a memória é demasiado selectiva.
Findo o capítulo deste longo livro, já na contracapa uma imagem: dois pratos na balança. De um lado o bom, do outro antes pêlo contrário. Escrever o epitáfio é fácil. Estranhamente [ou talvez não] foi bem diferente do epílogo. Tenho apenas a vaga ideia que começou com grandes expectativas que em parte foram goradas. Talvez a ideia de começar algo novo seja isso sim verdadeiramente estimulante. O leitmotiv para o que se avizinhava. Tivesse eu o mapa do céu e outro horizonte teria sido. Não o longo Inverno que se propagou noite e dia, enegrecendo inclusive a beleza da escuridão da noite. Não ouve estrelas, cometas ou estrelas cadentes. Apenas um longo sussurro invernal, um vento que empurrava constantemente a janela e levantava as folhas caídas num manto de tons terra.
Peguei na caneta e imaginei as “famous last words”para dar algum sentido ao texto: “Aqui jaz quem já não esteve”. Podia citar Almada Negreiros, mas ele ainda consegue ser mais cáustico do que eu. Talvez uma frase do príncipe Hamlet, com toda a sua raiva opressiva. Maquiavel ou um pouco da razão de Kant? Talvez mesmo não. Talvez me falta a arte de me esgueirar pelo inconsciente e imaginar algo mais do que um conjunto de frases desabitadas.


Seria fácil desenhar meia dúzia de palavras: Bom Ano Novo 2016 e 365 anos mais um, de amor, felicidade, arco-íris e coisas celestiais. Mas a realidade é bastante mais complexa do que desejar algo tão positivo e abstracto, por entre nuvens e uma névoa que me tolda a imaginação. Tivesse eu o mapa das nuvens, colocaria na agenda um sol, um lugar numa carruagem que cruza a paisagem como o pincel numa tela de aguarela. No fim, um pedestal com um polícia sinaleiro para me indicar a saída da encruzilhada em que vim parar.
Resta-me desejar que o futuro não tropece em todas as madrugadas que tem a noite. Que continue a sorrir para quem sorri, continue a dar a mão a quem pede, e ter sempre uma palavra de conforto para quem me ouve ou lê. O resto será apenas a areia do tempo a descer pela ampulheta de vidro e um café, sentado numa esplanada enquanto capturo uma imagem de quem imagino mas não conheço.

Como disse Pessoa “passado este, há um virar de página e a história contínua, mas não o texto.”
Que 2016 seja um ano em que possa escrever com redobrado prazer, pois o passado é ontem, e o futuro ainda não sei por onde…

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