09/03/2019

11+1=11 (1º Acto)

Há muitas formas de aborda a estrada para Damasco. Esta é uma delas. Escrita para um fabuloso grupo teatral  amador de uma não menos famosa freguesia, algures lá em cima, em baixo da Junta de Freguesia.




Personagens:

 - JC e os 11 amigos [Pedro, Tiago, André, Judas, Felipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tadeu, João, Simão], o 12º não entra na peça está expatriado em Angola.
 - Madalena e a criada Pavlova
 - Romanos: Centurião Crassus, Soldado Brutus e Soldado Gaius]
 - Procurar Pôncio Pilatos
 - Rabi Joshua
 - Donzelas da Corte: Errónea e Decadência

Musica antes do espectáculo https://youtu.be/r30D3SW4OVw palco sempre escuro

A cena vai-se desenrolar toda na sala da casa, por isso toca a arranjar móveis, dois sofás ou dois cadeirões individuais, uma mesinha com candeeiro, outra mesa para colocar uma televisão pequena e uma mesa para caber aquela gente toda. Ficam sentados todos virados para o público.

I Acto
Numa tarde soalheira de Primavera um pouco antes da celebração da Páscoa judaica, um grupo de amigos reúne-se para uma ceia que poderá bem ser a penúltima. Em casa estão JC e os 11 juntamente com Madalena e a sua criada. O sossego da casa vai ser interrompido pela entrada de soldados Romanos.

Apresentador - “Boa tarde! [voz pausada]
Não ouviram?! Boa tarde [mais alto] !! Ah assim está melhor, agora podem dormir….
Senhores e senhoras, meninos e meninas, o teatro vai começar. Gostaria de chamar a vossa atenção para a importância de desligarem agora os telemóveis. Vá lá não custa nada! Os utilizadores de iPhone, basta premir o botão de cima, para o resto do pessoal com marcas estranhas basta consultar os respectivos manuais.
Durante a exibição do espectáculo se alguém for apanhado a utilizar aparelhos comprados no OLX para receber mensagens, tirar fotografias ou jogar Candy Crush Saga ou Fortnite, os mesmos serão confiscados para posterior leilão em hasta pública. O grupo de teatro agradece a generosidade e a arte carece de financiamento.
À vossa direita encontra-se um bar aberto, mas por motivos de ruptura de stock está temporariamente encerrado. Lembramos que não é permitida a ingestão de bebidas e alimentos alucinogénios, desta forma, podem utilizar o balcão para colocar os baldes de pipocas e os copos de papel com Pepsi-Cola .
No final, em cada uma das saídas de emergência devidamente assinaladas, podem deixar algum dinheiro aos nossos assistentes e devolver as cadeiras e mantas que tentarem levar!
Esperamos que gostem do espectáculo!

[alguém abre os cortinados do palco mas o palco continua escuro]

Não temos livro de reclamações!
Ah! Informaram-me agora que no final podem tirar selfies com os actores. Também estão disponíveis para autógrafos!
 [Ouvem-se as pancadas de Molière, à segunda pancada]

JC [ainda está tudo escuro] – Porra! O debaixo é meu pá! Vá continua lá…”
[ultima pancada acendem-se as luzes e começa a música de entrada: https://youtu.be/voSSCF7nCNA,
Entra JC em passo acelerado a dar voltas pelo palco trazendo um livro na mão e depois senta-se num sofá individual com uma pequena mesinha com um candeeiro e acende o candeeiro tendo ao lado uma moldura com o Cristiano Ronaldo. Esta parte dura 30 no máximo 40 segundos de música e depois começa a falar e para a música.
Se quiserem dar um cunho mais nonsense à peça podem utilizar as roupas da Páscoa, em opção todas as personagens utilizam a roupa normal do dia-a-dia, excepto os Romanos, o Pilatos e o Rabi que vêm com a indumentária própria]

JC – Ser ou não ser, essa é a questão: será mais nobre suportar na mente as flechadas da trágica fortuna, ou tomar armas contra um mar de obstáculos e, enfrentando-os, vencer? Morrer, dormir, comer e….é melhor ficar por aqui! Não sei bem se era isto que estava no texto mas pelo menos foi o que me ocorreu dizer sobre o tema. O meu nome é, bem não interessa podem tratar-me por JC!

[esta parte do texto fica numa cábula na caveira, em opção no rútulo de uma garrafa de vinho já que a continuação da peça se desenrola numa ceia]

JC - Eh lá! Está aqui gente que dá para ir até Ermelo até a Cerdeira e voltar pela estrada nacional. Sala bem composta…sim Senhor, os meus parabéns à malta que divulgou o evento!!
Pois então com estava a dizer, estamos aqui para vos apresentar algumas cenas da minha penúltima ou quiçá ultima refeição entre vós. Já recebi a carta convite, está tudo tratado no consulado e parece que está chegada a hora do meu regresso [aponta para cima]. Esta parte das despedidas é sempre tramada, mas nada que não se ultrapasse com um bom vinho e um naco de broa quente!
Olha por falar nisso parece que já os oiço. Convidei a malta para uma jantarada [JC abre os braços e olha para cima]. Vá pessoal toca a despachar…

[Entram os amigos, a Pavlova e a Madalena, conversam sobre o último jogo do Benfica e como o árbitro foi ladrão e que deviam ter sido crucificado; Tiago senta-se num sofá a ler o Correio da Manhã e a Madalena no outro a ler A Bola]

JC – Então malta?! Isso é que são horas [olha para o relógio]? É sempre a mesma coisa, nem com relógio solar! Sempre atrasados, tenho ali uma pescadinha zero no lume à uma hora e a broa provavelmente já arrefeceu. Não é Pavlova?
Pedro trouxeste o vinho? Tenho ali um, mas é mais água-pé que sobrou do último casamento. A Pavlova hoje caprichou. Uma autêntica chef do guia Michelin. O evento hoje merece um vinho de excelência.

Pedro – Eu, vinho!? Essa não é a tua especialidade?! A última vez fui eu que paguei…pedi ao Judas que fosse à vila comprar. Ele disse que ia demorar um pouco…mas que voltava a tempo.

JC – Vá pessoal sentem-se e façam de conta que não estão em vossa casa, oh Madalena pede ai à Pavlova para te ajudar a pôr a mesa e tragam os guardanapos que esta coisa de comer com a mão não lembra ao diabo…

Tiago – Jesus homem! Olha o vocabulário, pá!..

Filipe – É pá esqueçam lá esse tipo. Que fica lá no Oriente por muitos e bons anos.

Barnabé – E que um dia ressuscite algures na Luz. Em vez de andar a perder-se lá na quinta dos dos Viscondes de Alvalade.

JC- Olha por falar em sepulcro, sabem com quem me cruzei ontem?

Todos – Quem?

JC - O nosso camarada Lázaro!!

Pedro – E que tal?! Como anda o gajo?

JC - Mal, muito mal! Depois de ter investido tudo no Espírito Santo, nunca mais foi o mesmo! Mas isso ainda não foi o pior…parece que que os tipos das finanças descobriram a artimanha do morre, não morre e, num abrir e piscar de olhos, vrimba! a casa foi para ao leilão das finanças…

Tiago – Coitado! Quem se mete em cenas divinas …acaba resolvido como a banca nacional!

Todos - [riem-se]

JC – Pior Tiago, bastante pior! Que o diabo seja cego, surdo e mudo se não é verdade!

João – olha o nível pá!

JC - …ouvi dizer, que agora já andavam a tentar confiscar-lhe o burro, um erro de declaração no e-fatura!

Tomé – Tchii agora é que vão ser elas!!

Pedro – Esse foi o meu azar! Estive para o comprar há uns meses atrás! Anda bem que acertamos o preç! O raio do burro consumia um fardo de palha a cada dois dias!

Barnabé – Dass…isso é um burro, ou uma junta de bois!?

Pedro –  Estava uma pechincha! As condições de pagamento até eram razoáveis …e agora nem fardos nem burro!

JC – Ficaste enfardado!...

André – Por esse caminhar, resta-lhe fazer como o Baptista…fazer a travessia do deserto a com umas barras de gafanhotos e rezar para que não lhe confisquem a tanga de camelo!

Todos - [riem-se]

JC – Isso ou comer o pão que o diabo amassou!

Todos – Olha o nível pá!

[entra Pavlova com o avental e fica de braços cruzados de lado a olhar para o pessoal que ainda não se sentou]

JC – Malta, malta! Concentremo-nos no que nos trouxe aqui hoje!

Pavlova – Alguém quer paté, queijinho de ovelha e cabra? Azeitonas!?Leite de burra?

Todos – [uns dizem “venha!”, outros “basta cheio!”]

Pedro – Olhe se não fosse pedir muito uns rojões e um presuntinho de entrada!? Estou cá com uma fome…

Todos – Porco pá!?

Pedro – Eu porco!?

Todos – Não pá! A comida pá!

Pedro – É pá fogo, cambada de vegetarianos, olhe uma sopinha de lavrador também marcha!

[Madalena continua sentada no sofá a ler, não querendo dizer que não possa ir olhando para o público e a interagir, leia-se a cumprimentar com gestos!]

Madalena – Não sei se tenho para todos, o nosso anfitrião hoje quis poupar no milagre e deixou-me o frigorífico meio vazio. Pavlova traz os pires com azeitonas, tremoços e pão! Deixa lá os patés e o caviar que para esta gente bacalhau basta e a vida não está para grandes luxos, se faz favor

Pavlova – Pires minha Senhora?! Não ter senhora! Aqui haver André, Pedro, um Tiago, esse Barnabé, Tadeu, Pires não saber senhora!

Madalena – Não é isso, mulher! Trás uns pratos pequenos para esta gente comer qualquer coisa! Olha, controla mas é o lume na cozinha senão daqui a nada ainda cheira a bispo! E vê-me o peixe na brasa. O objectivo é ter peixe grelhado e não carvão como na última vez …

Pavlova –Sim minha Senhora! Pavlova olha o carvão…

JC – O Pedro tem razão! Já se trincava qualquer coisa, não malta?! Então o Judas!? Isto sem vinho não rola…

Tiago – Eu por mim mandava vir uma pizza. Sempre peixe! Peixe ao almoço, peixe ao jantar, não há mais nada para comer, só peixe!?

JC – Mais respeito! Que o peixe é uma criatura com um significado muito importante para todos nós [breve silêncio!]. Além disso estou a seguir escrupulosamente dieta do meu nutricionista. E já estás com muita sorte eu ser vegan! senão era mesmo maná ao pequeno almoço, maná ao almoço e maná ao jantar!

Todos – [Começam a cantar a musica do Mana Mana: https://youtu.be/8N_tupPBtWQM ; enquanto se sentam na mesa, excepto Madalena que permanece sentada no sofá]

[Alguém bate a porta ninguém liga; e ouve-se!]

Barnabé – Maná com Nutella já ia não Tiago!?

[toca a campainha ]

Madalena – Pavlova!? Pavlova! Não se importa de ir abrir a porta?

Pavlova [fora do palco, alto para se ouvir!] – Sim minha senhora, vai abri porta já!

Mateus – Deve ser o Judas! Já não era sem tempo…
[...os três romanos entram em ritmo de passo militar pela sala e param junto à mesa onde estão todos sentados, cada qual com o seu telemóvel na mão]

Centurião – Companhia Alto! Quem é o dono da casa?!

Pavlova [vem mais atrás] – Mas o que ser é isto!?! Entrar assim? Entrar sem licença, fui quase abalroada por uma junta de bois, aliás uma troika de bois! Até parecer que casa ser vossa! Querem um gin ou preferem uma malga de vinho?

Soldado Gaius – “Cessem do sábio grego e do troiano As navegações grandes que fizeram, cale-se de Alexandro e de Trajano” e já agora a senhora, cale-se também! Aqui o quem faz as perguntas é aqui o meu Centurião Crassus!

Centurião – Oh Soldado, não se importa de ir ver se estou ali?! Aqui quem fala sou eu, você aqui obedece e mai nada! Quem é o dono da casa!?

Pedro – Quem o procura!?

Centurião - Soldado a ordem! [Soldado Gaius entrega rolo de cozinha] que o Centurião desenrola para o chão….

Centurião – Cumprindo ordem suprema do Governador Pilatos…et cetera, et cetera…

André – Pilatos ou Pilatos? É que Pilatos é uma ginástica…aliás há ali muita senhora sentada [aponta para a audiência] que pode confirmar isso!

Todos (Riem-se menos Madalena e Pavlova)

Centurião – Silêncio! Cumprindo uma ordem suprema do Procurador Pôncio Pilatos, et cetera, et cetera…tenho ordens para deter o perigoso perturbador da ordem pública..et cetera… que dá pelo nome de JC…et cetera… nascido em Belém, com residência nesta morada, normalmente acompanhado por 12 indíviduos suspeitos, et cetera, et cetera…

Pedro – JC? Belém? Não conheço!...12? não podemos ser nós! Aqui somos 11! e a 12º foi expatriada para Angola para dar aulas!...

[entra Judas com uma garrafa de vinho na mão]

Judas - Então malta tudo bem? A porta estava aberta! Ah ok!…estou a ver que estão ocupados! talvez seja melhor voltar noutro dia não é?! [vira as costas e encaminha-se para fora do palco]

Centurião – Olha, olha! Nem volta, nem meio volta aproxime-se! Soldado reviste o suspeito…

[Soldado Brutus pega Judas pelo braço e encosta-o à parede, abre os braços e pernas e revista-o; para animar um pouco, basta colocar umas coisas estranhas no bolso que são depois atiradas para o chão]

Centurião – Ora continuando, o individuo veste branco, diz aqui com ténis comprados nos ciganos da feira, relógio na loja dos chineses,et cetera…tem 33 anos mais coisa menos coisa, barba de três dias…et cetera et cetera…

Pedro – …essa cara não me é estranha, mas ainda assim! Não estou a ver bem quem será! espere lá! Tenho um primo ali em Rebordões que parece corresponder a essa descrição, agora que me fala!...

Todos (riem-se, menos Madalena e Pavlova)

[Barnabé levanta-se e aproxima-se dos soldados…]

Barnabé – Olhe desculpe, é que estamos com alguma fome, não podia acelerar um pouco a coisa do et cetera?! Eu não sei se a comida chega para todos mas...talvez a Pavlova ainda arranje ali alguns restos da última ceia?!

Centurião – Sente-se ou também é cruxificado…

Barnabé – Pronto, pronto…já cá não está quem falou!

Soldado Brutus – Meu Centurião, o suspeito não tem nada ilegal, apenas umas ervas secas enroladas em papel de papiro com um odor estranho…

Centurião – Pela última vez, quem é o dono da casa?!Algum dos senhores conhece o individuo?!

Pedro – Não conheço! Talvez o nosso senhorio saiba alguma coisa [apontando para cima]! Olhe,o que eu sei… é que esta casa foi comprada por um tal de …

JC - …Santos Silva?! Um santo qualquer. Aliás, santos por estas paragens é mato…

Todos (riem-se)

Centurião – Soldados aqui nada fazemos!

Soldado Gaius – Então e o suspeito, meu centurião?

Centurião - Recolha as evidências e envie para laboratório.

Soldado Brutus – Erro Crassus!

Centurião – Sim soldado?

Soldado Brutus – Nada meu Centurião!

Centurião - Mas ficam já de pré-aviso. As paredes têm ouvidos, vamos estar de olho em vocês! Soldados! Dar de frosques daqui para fora! Marchar, um, dois, um dois, …[e saem de cena]
Madalena – Eu nem às paredes me confesso! E pá Judas, fecha-me a porta que aqui ninguém é de Braga por favor!

JC – Boa Pedro à terceira foi de vez! Pessoal vamos lá comer que a fome aperta, Madalena pede à Pavlova para trazer a ceia. Eh pá alguém apague as luzes por favor!
Judas, Tadeu não se importam de ir ali puxar os cortinados!?

[Pedro e Tadeu levantam-se da mesa e dirigem-se para os cortinados]

Tadeu – Então eu não posso dizer nada? Estive aqui este tempo todo, toda a gente falou bastante mais?!Dass…

JC – Em verdade, verdade te digo, talvez ainda digas qualquer coisa! Pedimos desculpa, mas para começar o 2º  Acto, temos que organizar aqui o palco por isso, um grande até já e podem bater palmas!

[Fecha a cortina e começa música ambiente rápida [https://youtu.be/Evb31p5vFs4] para colocar na mesa com pratos, copos, o saleiro, garrafas de vinho, alguma comida e organizar a malta de forma a ficarem todos virados para o público, Madalena permanece no outro sofá agora a ver televisão o resto do pessoal sentados de modo a que Pedro fique ao lado de JC, Mateus na ponta esquerda da mesa e João na ponta da direita.
Pavlova fica sentada noutro sofá individual que agora ficam juntos a fazer crochet enquanto vê televisão juntamente com Madalena. Os sofás ficam de lado e não totalmente virados para o público].

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