11/03/2019

11+1=11 (2º Acto)



II Acto

Agora finalmente a penúltima ceia. Ou será mesmo a última?

Barnabé – Malta ai do público, silêncio por favor. Alguém pode baixar o som da música para começarmos?!

[ouvem-se as 3 pancadas de Molière; luzes ligadas as cortinas ainda não foram abertas!]

JC – Tadeu, desculpa lá outra vez importas-te de ir…cortinas!?!...Pavlova dá ai uma mão ao Tadeu…obrigado

[Tadeu e Pavlova afastam as cortinas e sentam-se e a musica só termina quando os cortinados se abrem na totalidade]

JC – [JC está virado para a direita!] Bem meus amigos estamos aqui reunidos mais uma vez para celebrar a nossa amizade e lembrar ao nosso senhorio de cima que ainda cá estou mas que ainda não paguei a renda deste mês! [todos na mesa riem-se]. Em primeiro lugar gostaria de vos agradecer o facto…
Mateus – JC desculpa lá podes também falar aqui para o lado esquerdo?! Não é por nada mas a malta da esquerda também gosta de te ouvir…

JC – Sim claro Mateus, peço desculpa…como estava a dizer, sinto uma grande alegria em estar de novo aqui convosco reunido…

João – Simão passa-me ai o sal!..

Simão - Aqui vai João …[o sal passa por todos, incluindo JC, até à outra ponta da mesa]

Tomé – oh! Pavlova há Coca-Cola Zero?! Não posso beber vinho porque estou a tomar antibióticos…

Pavlova – Estar no frigorífico, poder ir buscá-la! Pavlova estar a ver últimos episódios de novela…

JC - Posso falar?!

Todos – Sim claro…

Pedro – Estás p’ra ai à meia hora ainda não disseste nada! Olha por exemplo, ainda não ficou decidido onde vai ser a próxima ceia…sabes perfeitamente que o combinado é nunca começar sem marcar a próxima!

JC – Oh pá, se calhar é para isso que hoje vos pedi para virem cá não?! Tenho uma novidade importante para vos contar…a próxima talvez não vá existir a próxima ceia?!

Todos [excepto Madalena e Pavlova]  Como é que é?!

Tomé – Não pode ser! Não acredito…

JC – Tomé no dia em que acreditares, eu rapo o cabelo e subo a um poste p’ra desenroscar uma daquelas lâmpada de leds que existem lá na vila!

Pedro – Vá pessoal ordem na sala…estamos aqui para comer, beber e divertirmo-nos!

Judas – Olhem, falou o favorito!!

Pedro – Favorito?! Qual favorito!?

Judas – Sim, pois…em todos os quadros e fotos das nossas ceias apareces sempre ao lado do JC! Mas olha que quando for em minha casa quem se senta ai no centro da mesa sou eu e tu vens para aqui para a ponta…assim não reebes já a comida fria!

Tadeu [levanta-se] – Posso falar?

Todos – Não!!

JC – Tadeu senta-te! [JC fica em pé]

JC – Mas afinal que confusão é esta…então eu estou em vias de me ir embora e discute-se os lugares na mesa?! Isto assim já parece a reunião da concelhia do partido! Vá toca a mudar de lugares, Judas e Pedro para os cantos o resto é espalhar. Madalena ficas agora tu aqui ao meu lado.

[levantam-se todos e trocam; podem falar e improvisar enquanto se sentam]

JC – C’a confusão, nas outras ceias não foi assim…pronto assunto resolvido!? Está tudo confortável? Irmãos tenho que partir, e sinceramente não sei quando volto.

Tomé – Não pode! Não acredito…

Pedro – Barnabé dá-me espaço, assim não posso comer…

Pavlova – Não se importarem de falar baixo?! Estarmos a ver a novela?!

Barnabé – Fogo Pedro! Como é que, se a mesa é a mesma? agora não cabes? Já não basta teres comido a entradas quase todas?

Pedro – Vocês comem como rezam, braços abertos, parecem as asas de um A380 no aeródromo de Cabaços!

Mateus – Mas desde quando é que existe um aeródromo em Cabaços?

Pedro – Se não há, devia existir!

João – Malta, como é que é, conversa paralelas agora!? Assim há-de o galo cantar e ainda nem sequer a pescada começamos a comer! Deixem-se de conversas e bebam…

JC – Obrigado João! Malta tenho mesmo que me ir…eu sei que vão sentir a minha falta, mas não há problema. Temos o Whatsup, Instagram, podem escrever umas cartas, enviar mail, uma  skypada de vez em quando…!

Madalena – Então os nossos planos para Zanzibar? Quer dizer, tive eu uma trabalheira para juntar os pontos no cartão do supermercado para os 50% de desconto no resort de luxo e agora piras-te?

JC – Oh pá Madalena, temos que adiar só mais nada!...oh pá podes trocar os pontos e ganhar os pirex que oferecem. A Pavlova agradecia!

Madalena – Pirex?! Eu passo a vida a adiar, enquanto tu e os teus amigos passam a vida em passeios aqui e ali... É sempre a mesma coisa! Vocês na boa vida! Aqui a escrava a limpar, a passar a ferro, fechada em casa. Roupa para passar... Quem é que me ajuda?!

Todos - Ela?! [aponta para Pavlova e Pavlova olha para a mesa mas depois continua a ver a televisão].

Madalena – Maldita a hora que lhe fizemos um contracto sem termo, antes a recibos verdes! E depois quem trata do IRS e da Segurança Social? Aqui os teus amigos?! [aponta para todos]

Pedro –Madalena, não damos muito trabalho! Olha o André até nem se importava de ajudar na cozinha! Não é André?

André – É sim! A mais pura verdade! Um raio caia aqui agora se não é verdade![barulho de raio]

Judas – Madalena! Sempre que tiveres problemas de dinheiro já sabes, tenho um primo meu, que tem um amigo, cuja namorada conhece um gajo que trabalha na Caixa na vila! Qualquer cena, já sabes…Judas!Eu.

Madalena – Estou tramada! Com todas as letras. Abandonada a um bando de desempregados…sozinha no mundo!

Tadeu [levanta-se] – Posso falar!?

Todos – Não!

Madalena – E quando é que voltas?!

JC – Ainda não sei bem…a coisa está difícil! Não vai ser fácil arranjar voo de regresso [aponta para cima]…Mas não seja por isso que a noite vai ficar estragada, não é pessoal?! Vá toca a comer! João passa ai o sal!

[alguém bate à porta]

Barnabé  Estamos à espera de mais alguém?

André – Não acho que não!? A 12ª ficou em Angola. …Pavlova, podes ir ver?!

Pavlova – E a novela? Ai a louça, ai a louça!

[entram os romanos em passo acelerado novamente]
Centurião – Um, dois, um, dois, um dois…

Madalena – Outra vez?! Já agora podiam ter limpar os pés no tapete!? Diz “bem-vindo”, mas é para utilizar!

Centurião – Soldado cale essa mulher!

Soldado Brutus – O meu Centurião manda… “Cala-te mulher!”

Madalena – Você se não fosse papagaio era uma caixa-de-ressonância!?

Centurião – Eu avisei-vos que estava de olho nas vossas actividades suspeitas! As redes sociais não mentem! Aliás, acabo de receber um SMS [pega no telemóvel] com uma denúncia anónima do vosso vizinho de cima, ora deixem cá ver…Soldado…os óculos?!…

[pode ser uma lupa ou uns óculos de massa]

Soldado Gaius – Aqui tem meu Centurião!

Centurião - Diz então aqui que um grupo de perturbadores da ordem pública encontra-se aqui reunido para preparar uma conspiração ao mais alto nível, tendo por base a leitura de livros subversivos atentatório contra os ideais do Império, et cetera, et cetera…

[tentar arranjar uma revista cor de rosa estilo !Hola, Caras ou TvMais para colocar na mesa e na mesinha]

Judas – Ao mais alto nível? Desculpe lá, não deve ser engano no tradutor automático do telemóvel? Aqui é o piso de baixo, as reuniões dessas são as da Junta, e que são aqui mesmo em cima!

Centurião- Soldado prenda o indivíduo!

Soldado Brutus – Sim meu Centurião! Qual o motivo, meu Centurião?

Centurião – No circo de Roma terás muitos motivos de sobra se continuas com perguntas dessas!

Soldado Brutus – Sim meu Centurião Crassus! O senhor ai da piadinha fácil já para a parede! [repetição da mesma cena, desta vez com sacos de erva nos bolsos para além de cigarros…]

Centurião – Soldado reviste a casa e procure indícios e provas irrefutáveis!

Soldado Gaius – Sim meu Centurião!!Quais são as irrefutáveis? No meio disso tudo baralhei-me!?

Centurião – Gaius o partam! Cheirar aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante, não é soldado!? Que os deuses me dêem paciência!

Soldado Gaius - Sim meu Centurião! É que é para já…

[para além da revista, o soldado aproxima-se da mesa descobre um caixote no chão com livros proibidos, o 
jornal Cardeal Saraiva, apreende o jornal A Bola, mais maços de tabaco, telemóveis desbloqueados, umas chouriças em cima da mesa, ou outras coisa que se lembrem, sei lá um ferro de engomar, um secador, qq coisa!]

Tadeu – Peço desculpa Centurião! Mas tudo tem um limite…dentro da razoabilidade dos seus argumentos queria deixar bem claro que esta invasão da nossa privacidade vai contra os fundamentos da nossa Constituição, aliás….

Centurião – Centurião prenda esse tipo que já não suporto ouvi-lo!!

Todos – [explosão de alegria geral]

Judas – Vinho para todos pessoal!

Barnabé – Finalmente alguém com bom senso!!Tchau Tadeu…

Pedro – Também há tremoços ali na mesa, se o João não os comeu!?

João – Oh Pedro …tenho a certeza que não tiveram a mesma sorte que o chouriço de porco que estava à tua frente!

Tomé – Silêncio [berro; cala-se tudo] Nem quero acreditar! Um de nós é preso e ninguém se indigna?! Que raio de irmãos somos então?! Eu até tinha aqui uma coisa escrita a propósito desta nova ideia da Liberdade. Com a vossa licença [retira a folha do bolso]...já agora o caro Centurião não se importa de me emprestar os óculos!?

Centurião - Soldado faça o obséquio! [soldado entrega os óculos ao Centurião] Oh homem, não é a mim, é aqui ao jovem tribuno, irra que é Brutus!

Tomé – Ouve lá Pedro, fui eu que ouvi mal, ou ali o amigo João disse que comeste chouriço de porco? Isso não é ilegal? Ou com tanta revogação de leis e decisões do Tribunal Constitucional, o presunto já é toucinho do céu?

Pedro – Não! Não, nem pensei nisso, não é verdade, era uma chouriça de broa de milho e centeio feita com a melhor carne de aves da freguesia, aliás ali o Barnabé e o João estão ali para me darem razão. O Barnabé também gostou e sabe que as galinhas eram de confiança! Apesar do courato até estavam bastante gostosas …

João –Eu? Eu não sei de nada…

Barnabé –Eu só inalo! Não como porco …

Tomé – Está bem! Esta coisa do faz, desfaz, autoriza, desautoriza, uma pessoa já nem sabe se é carne ou peixe! Antes isso do que te meteres numa grande alheirada. Bem adiantando aqui no poema antes de correm a cortina:

“Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena,
Que o sereno clarão da madrugada!
Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada;”

[pequena pausa, olha para o ar, mete a mão à cabeça, em principio vai ficar tudo sem saber o que vai acontecer por isso…]

Tomé – Então esses aplausos…!?!? O segundo acto termina aqui! Vá toca a aplaudir pessoal ai da bancada central!

[o pessoal em cima do palco começa a aplaudir, e entram os soldados que também aplaudem!]

Todos – Obrigado! Obrigado…

JC – Pavlova e Tomé, façam o favor de correr os cortinados, ai em baixo podem desligar as luzes e ligar a música ambiente?!Obrigado.

[sugestão de música: https://youtu.be/vmDDOFXSgAs?list=RDvmDDOFXSgAs vá não custa nada sempre dá outra descontracção à peça]

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