25/10/2009

...serviço pós-venda





“Antes da criação do Universo Deus não fez nada, como consta. Um dia não se sabe porquê, decidiu criar o Universo, também não se sabe para quê nem para quê. Fez segundo a Bíblia, o Universo em seis dias. Seis dias só! em seis dias, descansou ao sétimo, até hoje. Nuca mais fez nada, isto tem algum sentido?”
Tem.
Da mesma forma que no livro de Josué, vem escrito que “Então disse o Senhor a Josué: Olha, tenho dado na tua mão a Jericó, ao seu rei e aos seus homens valorosos. Vós, pois, todos os homens de guerra, rodeareis a cidade, cercando-a uma vez; assim fareis por seis dias. E sete sacerdotes levarão sete buzinas de chifres de carneiros adiante da arca, e no sétimo dia rodeareis a cidade sete vezes, e os sacerdotes tocarão as buzinas. E será que, tocando-se prolongadamente a buzina de carneiro, ouvindo vós o seu som, todo o povo gritará com grande brado; e o muro da cidade cairá abaixo, e o povo subirá por ele, cada um em frente.” Digamos que desde a aurora da civilização, logo a seguir ao descanço, o número 7 contém uma aura de misticismo e para isso basta recuar até uns segundos depois do Big Bang, até Pitágoras para chegar a essa conclusão. O problema do nosso Nobel é não entender a beleza e a tragédia por detrás de cada história, metáfora que a Bíblia, o Alcorão ou a Tora revelam. como diria o padre Tolentino Mendonça o "coro de vozes humanas", as perfeições e imperfeições da natureza humana.
Eu gostei do Caim. Não é pelo facto de conter a opinião [o tal direito à heresia e à dissidência que ele referiu faltar na declaração universal dos Direitos Humanos!] de um não crente que vou deixar de ler os seus livros ou que vou fazer uma espécie de Kristallnacht, mas como referiu o poeta alemão Heinrich Heiness, quem queima livros acaba por queimar homens, e não é isso que se pretende, apesar de ser isso que se assiste com toda esta controvérsia inútil. O facto de ser um não crente, ter dúvidas e receios e chegar inclusive a afirmar a infâmia que “Deus não é de fiar “, também não é motivo para agora um dito deputado laranja no Parlamento Europeu recuperar as tristes divagações de um obscuro Sousa Lara e colocar ele a pedra do sepulcro, onde o escritor será enterrado. Convenhamos, Lanzarote, pode até mesmo ser um paraíso fiscal, mas não deixa de ser um pedaço de rocha inóspito e fustigado pela fúria [divina ?] do vento. Mas é um local onde o nosso Nobel encontrou a paz, coisa que parece faltar nos 92.391 km² do nosso Portugal Continental [receio que um Saramago ateu confesso, comunista não praticante não se ia dar bem com o autocracismo na Madeira nem com a religiosidade dos Açores. Não iriam faltar festas do Divino Espírito Santo para o afugentar, esse enviado de Satã ;que acaba por ser retratdo como um tipo porreiro em Caim!].
Lanzarote é a sua jangada de pedra.
Como diria o MEC, certamente nenhum bispo, arcipreste ou cardeal o vai perseguir com uma fatwa [eu prefiro o termo bula pois acho que a fatwa aplica-se mais aos nosso irmãos muçulmanos, mas!?] pois nos tempos actuais a igreja está mais está mais empenhada no diálogo inter-religioso; para além disso são apenas 181 páginas, com uma pontinha de sátira, sexo e violência, todos os condimentos de uma boa telenovela para ocupar o espaço deixado vago pelo Jornal Nacional das sextas-feiras, que já de si era um lugar infernal para se observar. Quantos arcanjos não seriam necessários para resguardar o Céu da violência verbal daquele progrom.

Ainda assim existe uma dúvida que me acerca o pensamento: e se o livro tivesse outro nome, uma espécie de relicário de todos os nomes menos uns quantos, onde não houvesse espaço para uma Eva, um Adão, outro Abel e Caim, ou Abraão e Josué, ou ainda o infeliz Job que tanto sofre com as peripécias perfiladas pelo Satã? E se tudo se passasse, numa aldeia ali vizinha do Tejo, em que o Céu seria um mouchão e a arca uma falua? Talvez, pouco ou nada. Mas seria esta a melhor forma de também ele [Saramago] passar a fio de espada nas consciências adormecidas deste nosso pedaço de terra maldita? Só não lhe fica bem é o papel de vítima inocente, pois como ele leu e bem na Bíblia ilógica que descreve, olho por olho dente por dente.

Dizer o que queremos, não quer dizer que compreendemos o que dizemos.

Só compra quem quer, só lê quem está interessado e como está na moda, reclamações ou devoluções é favor de se dirigirem até ao balcão do serviço pós-venda!

PS: tanta polémica com um livro que se lê em dois dias, entre a paragem da carreira e o cais do comboio, quando existem por aí papos de anjo, bocados de abade, bolas de sacristão, e imagine-se barrigas de freira, e outros tantos doces da dita doçaria conventual com conotações pecaminosas!

2 comentários:

Sofia Carvalho disse...

O homem tem todo o direito de expressar visto vivermos numa democarcia, certo?!?
Não compreendo tanta polémica, faz-me recordar o tempo do salazar em que por ex: o crime do Padre amaro era proibido pelo Salazarismo. sim, porque um padre não tem pila nem sentimentos(ordinária)! O meu pai teve que mandar vir o livro por uma amigo que morava no brasil. ai, se O sr. ditador soubesse, o meu pai ia preso;)


Há coisas que não gosto do Saramago, confesso, mas uma verdade é esta, o tipo escreve bem, mas acho-o de uma petulância deveras irritante, às vezes até fico irritada comigo mesma por gostar de o ler..

O ovo estrelado disse...

...olha, eu devo ter lido practicamente todos os livros deles talvez exceptunado os cadernos de Lanzarote, este não é dos que mais gosto, mas não está mau. Digamos que o próprio , já confessou ter-se excedido um pouco na linguagem e nos predicados utilizados. Mas acho bem que expresse a sua opinião. Nós por cá trataremos do velho princípio do contraditório! a bem da liberdade de expressão.