25/09/2021

...confortos de alma

 

..se há coisa que me entusiasma é acordar a um certo dia e pensar que daqui a umas horas vou utilizar a caneta para fazer umas cruzes bem bonitas nos quadradinhos sem exceder os limites legais da geometria. Um mísero detalhe que encerra o quão importante passo a ser a partir desse momento, para o equilíbrio do ecossistema político. Por um voto se ganha ou perde, e o gasto em tinta até é supérfluo; comparativamente, o estrago que a escolha pode ter, poderá ter outras incidências geométricas. Por sinal, nesta campanha [tal como tinha sucedido com as anteriores] o nível de discussão foi tão avassalador, tão rico que estou muito inclinado a daqui a quatro anos, propor-me como putativo candidato à Junta de freguesia de um ilhéu nas Desertas, ou quem sabe a algo mais ousado, presidente da Câmara do Ilhéu das Cabras. Uma boa hipótese para um futuro salto para uma aventura mais internacional (sempre fica mais perto de Washigton!).

Não é por nada, mas seria um passo decisivo para a minha afirmação como cidadão interventivo, pró-activo e defensor acérrimo da causa pública. As vantagens seriam mais do que evidentes para todos nós. Por um lado, seria uma forma de descentralizar forma objectivamente específica e factual contraindo a tese que muito se fala mas pouco se concretiza.

Por outro, seria uma forma de rentabilizar de forma segura e transparente o investimento que costuma aparecer de forma simpática no orçamento europeu na sub-secção territórios insulares, mas que normalmente serve para construir hotéis ou cais de acostagem para paquetes de luxo. Ora, quer o Ilhéu das Cabras quer o Ilhéu Deserta Grande, apesar de constituírem excelentes portos de águas profundas, apresentam, características interessantes para a acostagem de embarcações de grande porte que não excedam o tamanho de um bote de borracha.



Outra das promessas que penso constar no manifesto eleitoral que está em reanálise, será a descarbonização de toda a economia local, pela implementação de ninhos em material reciclável para toda a avifauna marinha e a redução da emissão de gases de escape (os botes só poderão acostar se movidos à força de braços ou vela).

Dado que sou uma pessoa de bem, é minha intenção tornar o território livre de armas, em especial bazucas, espingardas ou pistolas de forminantes. Fiquemo-nos pelas atoardas deselegantes vinda de onde vierem, sobretudo dos meus futuros opositores políticos. No máximo serão toleradas fisgas ou arremessos de lava solidificada que por lá não faltam.

Não contem comigo para autocolantes, canetas ou chapéus e bandeirinhas em corsos circenses sob aplausos. Contem comigo para obra feita, nem que sejam umas rotundas ali ou acolá.

Penso que este conjunto de medidas, será mais do que suficiente para assegurar um futuro mais risonho para colocar qualquer uma destas parcelas do território na senda do desenvolvimento sustentado.

Mas amanhã vou mesmo votar primeiro, depois logo se vê. 

20/09/2021

…sem título



 Em meus momentos escuros

Em que em mim não há ninguém,

E tudo é névoas e muros

Quanto a vida dá ou tem,


Se, um instante, erguendo a fronte

De onde em mim sou soterrado,

Vejo o longínquo horizonte

Cheio de sol posto ou nado,


Revivo, existo, conheço;

E, ainda que seja ilusão

O exterior em que me esqueço,

Nada mais quero nem peço:

Entrego-lhe o coração.


(Fernando Pessoa

19/09/2021

..bas fond

 ...passada quase uma semana desde o início da campanha eleitoral confesso que não tive tempo suficiente para aprofundar com a devida subjectividade as diferentes propostas eleitorais que me têm sido presenteadas. Ainda assim, ficou-me já gravado na retina a riqueza e originalidade de um dos temas mais interessantes da campanha [desconfio que se vai prolongar até à noite eleitoral]: a bazuca. O discurso bélico e buliçoso é o máximo denominador comum de quase todos os discursos, facto que demonstra o bas fond da nata política (reflexo da sociedade?). Aliás, se retirarmos do discurso a tríade mágica: o PPR, as promessas de dinheiro fresco para quem votar no partido que está no poder e os novos investimentos que vão ser realizados, mas que curiosamente já lá constavam em anteriores campanhas, ainda assim, ficamos com um conjunto apreciável de boas ideias e iniciativas louváveis [ver detalhe de algumas delas na imagem infra]. Em suma um manancial que se extingue até ao ponto de aridez absoluta.

Aliás a melhor forma de avaliar o quão sublime é o paradoxo deste exercício eleitoral, é tentar interpretar de forma quase clínica a objectividade de algumas coligações eleitorais que ora se digladiam até à morte na arena, para no concelho vizinho estarem unidas de facto até que a morte as separe contra um suposto inimigo comum, que por sinal será o vizinho amado já ali ao lado. O que me espanta é que há pouca gente a dar por isso e interrogo-me se não há aqui uma falha qualquer de percepção ou então um excesso de indiferença.

Nota de auto-flagelação: votar foi em tempos, um exercício agradável, sobretudo quando o discurso e os oradores tinham o dom da palavra e um sentido nobre da causa pública [os resultados é que nem sempre seriam os melhores, mas isso resolvia-se no plebiscito seguinte de forma mecânica]. Nos dias de hoje, é dramático, quase angustiante ouvir e ler determinados candidatos, que mais não são do que a materialização do vazio, ou de formas abstractas do ridículo. Diria que a seita dos idiotas está a propagar-se forma quase viral - abusando da metáfora. E para isso ainda não há profilaxia, nem vacina.


26/05/2021

...a estrada não termina

 

Não tenho por hábito escrever homenagens ou tributos a alguém, mas a Rosinha não era “alguém”. Hoje deixou-nos aquele sorriso encantador. Para quem como eu que comungou pequenos momentos com ela, há uma vontade enorme de relembrar sempre cada minuto, como se fossem horas. A última vez que partilhamos a mesma mesa de conversas foi no jardim da sua casa no verão do ano passado. Depois disso fomos trocando mensagens já com ela hospitalizada e, ultimamente já em casa.

Tinha perfeita noção do seu real estado de saúde, desde o primeiro diagnóstico. Movido pela força dela (única e inexplicável), inconscientemente acreditei num milagre; erro comum para quem sem a lucidez que se exige, sempre manifestou alguma relutância em entender a morte como uma transformação da própria vida física, em algo mais profundo.

A Rosinha era um poço de vida. Provavelmente a pessoa com maior compaixão pelo próximo que conheci até hoje. Uma mãe e esposa que semeou amor e carinho. De entre os traços de carácter que a engrandeciam, a grandeza cívica e humana. Não é preciso fechar os olhos para interiorizar a dimensão do legado que deixa. Era como sempre, inteira nos afectos, corajosa da defesa das suas convicções,integra e cativante. Sempre.



E para sempre, o vazio que agora nos acerca e a saudade que nos desafia será preenchido com a memória e aquele sorriso que nos abraçava a alma.


Marta a tua mãe vive em ti. 

Um grande Abraço Filipe.

 Até já Rosinha

17/05/2021

...nenhum

 um pais sem cultura nem sequer é lugar, é lugar nenhum onde a lei da ignorância impera e governa. A iliteracia é o triunfo brutal dos fracos, desses para quem a cultura é vista como um capricho de uma pequena franja de intelectuais líricos que vivem a vida como um ilídio wagneriano.



Uma civilização é tanto mais retrógrada, quanto mais se submete à fatalidade de o ser humano não ousar sonhar, ser criativo e crítico. Isto é o o que nos distingue dos sonâmbulos que advogam o paraíso futuro, silencioso, monótono e autómato.

O multiculturalismo, a interculturalidade são territórios férteis para a produção artística, pois absorvem o que de melhor cada povo tem para oferecer. Este patchwork de pensamentos e conhecimento sempre acompanhou a renascimento do Homem. Quem opta por formatos pré-estabelecidos e se submete à massificação cristaliza no território do autoritarismo cultural, e vive o vazio intesticial. A cultura é o encontro entre-espaços, entre-tempos, o barro que nos molda, o fio condutor, a pauta que nos faz sonhar, a palavra que nos faz ser. 

16/05/2021

...os invisíveis

 …numa altura em que as baterias do discurso político direccionam-se ora para a retórica militar [bazuca] ora para a escatológica performance de alguns ministérios, aqui do alto desta torre de cristal, seguro da justeza da argumentação e a salvo de raides de haters, diria que o clima é mais de descendente do que propriamente de um ciclo de expansão.

Não é necessário percorrer algumas das brilhantes performances dos senhores do capital – nobres honrados cavaleiros feudais, reputados na arte do esquecimento e exímios mestres na arrogância - que por estes dias glorificam o papel dos ilustres deputados da Nação, nas audições parlamentares sobre a gestão do Novo Banco. É um aconchego para esta alma, imaginar que os favores dos amigos – agora meros conhecidos ou nem isso, serviram para criar uma teia de ilusões tão densa que nem na noite mais obscura, seria possível a mais incauta borboleta da traça evitar ser surpreendida. É confortável verificar a agora aquilo que muitos camaradas alertavam para os perigos do capital, não eram um salto de pó de um disco riscado, mas antes a mais pálida das verdades.

                                                                                             (foto do mestre Sebastião Salgado) 

Fomos construindo um País assente em bases tão sólidas e tão nobres, que agora servem como stand-up comedy para donas de casa de final de tarde na televisão do parlamento. Mais, tão determinados e voluntariosos, os nossos apóstolos da economia de mercado, ainda se deram ao trabalho de criar paraísos e fundações com fins filantrópicos, para aliviar a voracidade da Autoridade Fiscal, a bem da nobreza e uns e criando empregos para uma imensidão de gente que a esta hora devia estar de joelhos agradecida por tamanha demonstração de caridade.

Tenhamos fé neles e em todos aqueles que se ajoelham a apanhar frutos e hortícolas a troco de um quarto compartilhado com mais uma dúzia e pouco mais de 3 m2 de liberdade neste paraíso de tendas de plástico. O consumidor no hipermercado agradece o desconto proporcionado e o Estado assobia ao som de uma qualquer moda alentejana. O problema, é que estes invisíveis [revisitando as personagens do escritor Ondjaki] há-os por todo o lado. Mas como sempre, ninguém se apercebe ou realmente incomoda. Desde que não vivam relativamente perto da sua zona de conforto.

Pergunto-me se não seria preferível enfiar qualquer loquaz vedeta do canal parlamento em contentores e dar alguma dignidade a quem fugiu da miséria e a da iniquidade?

01/02/2021

à escuta

 

“Ponho o ouvido à escuta de encontro ao mundo:

ouço-me para dentro.”

E não tardam

as dispersas primaveras,

uma atrás da outra.

Passa no mundo a estranha ventania. 

(...)

Por trás da imobilidade, horas verdes

caem de espaço a espaço

— gotas de água no fundo de um subterrâneo.

E em volta um círculo de montanhas atentas.

No alto da noite côncava e branca,

uma camélia gelada. E metem as árvores

para o interior

a tinta e os ramos.

Absorção

dolorosa, diamante polido, vegetação

criptogâmica.

— O tempo.

E o céu. Basta-nos o nome para lidar

com ele.

O céu.

Uma nódoa que se entranha

noutra nódoa.

— A água tem um som.

Mar inesgotável que desliza no silêncio.

Ponho o ouvido à escuta de encontro ao mundo:

ouço-me para dentro. Mal posso

dar no mundo um passo

sem tremer; sinto-me

balouçado num sonho imenso, ando

nas pontas dos pés.

E estou só e a noite.

Há palavras que requerem uma pausa e silêncio.

 

Herberto Helder



31/01/2021

...assincronia

 

Perante uma situação emergência, como é que vivemos actualmente (tal como sucedeu em Itália, mais tarde em Inglaterra, ainda a decorrer nos Estados Unidos, e noutras paragens) há sempre dois modelos de actuação, cada qual com as suas fragilidades e desafios: salvar o maior número e salvar todos os que podem ser salvos. O segundo modelo congrega o consenso moral, o primeiro é um desígnio alcançável, mas qualquer um deles enferma de um pequeno problema funcional e estrutural: por mais planos que se façam, nada consegue remediar a arbitrariedade da produção e distribuição das vacinas. Não depende de nós.

Simplesmente, não existe sincronia absoluta na cadeia de processamento e a garantia de fornecimento é baseada na expectativa.

Por isso, é normal que casos como os que sucederam esta semana, e que não são um exclusivo nacional (atente-se ao que sucedeu por exemplo no Oregon na passada quinta-feira), vão ser inevitáveis. Toda e qualquer acção por parte das equipas que estão a administrar as vacinas vai sempre depender da tomada de decisão individual, organizacional e ética. Aquilo que se pode questionar (e bem!) é se, faz sentido fornecer uma primeira dose a todos os trabalhadores de uma simples pastelaria e questionar o facto de terem estado naquela hora específica no local certo. Outra questão que deve ser exarada (naquilo que, agora se intitula do foro “criminoso”) é se, não teria sido mais justo indagar outro local nas proximidades com pessoas que estejam dentro dos critérios da 1ª Fase. Certamente que haverá.

Convém notar que, não se pode replicar o mesmo raciocínio à atitude de quem, estando em lugares de chefia pública (ou privada) utiliza essa condição como argumento, para, de forma gravosa, sobrepor-se ao racional que está definido. O enquadramento desses actos, ultrapassa questões éticas ou morais, e cai directamente no âmbito do absurdo premeditado. Isso sim, é matéria passível de ser julgada. E não é uma questão, é um facto.

Para que o modelo funcione, não é possível que todo e qualquer indivíduo mobilize esforços e sobreponha-se ao próximo, de uma forma individualista e egocêntrica. Tudo tem de seguir o seu ritmo- a sincronia absoluta mais do que uma impossibilidade, é uma utopia. Qualquer tentativa reiterada de subverter as regras definidas constituem um clamoroso perigo – a utopia transfigura-se em anarquia.

30/12/2020

..a mesma vida

 

…talvez a forma menos cáustica de celebrar o epílogo deste ano seja mesmo fazer uma introspecção demorada sobre tudo o que aconteceu: as poucas boas, mas sobretudo o furioso galope do egoísmo e falta de educação que atingiu como nunca os píncaros.

 

(sugestão de música: https://youtu.be/R9rF87XYmwQ)

 

Há pouco menos de um ano, enquanto almoçava rebatia argumentos sobre as virtudes da organização disciplinada e férrea dos chineses que, quais formigas no emaranhado caótico de um formigueiro, montavam em contra-relógio um hospital para fazer face à ameaça de uma doença desconhecida. Um dos argumentos à prova de bala foi que, a breve trecho, o hospital poderia colapsar dada a reconhecida falta de qualidade (de quase tudo) made in China. Quiçá uma forma proverbial de xenofobia comercial, mas que, para quem passou a vida a brincar com carrinhos made in Taiwan, qualquer produto chinês é de facto sofrível.


Enganei-me redondamente. Quem colapsou foi o mundo que conhecíamos.




É intrigante. Bastou uma doença invisível, mortal para uns, uma maçada indolor para outros, para arruinar a teia intrincada de relações emocionais e paulatinamente destruir toda uma cadeia de sentimentos que mais não eram que uma singular aparência. Como se a lua fosse a penumbra e o sol uma sombra. 


Algures já em plena pandemia escrevi que não havia que apontar esta ou aquela profissão, e que as palmas à janela e os afagos públicos depressa seriam esquecidos ou vulgarizados. Escrevi então que, no final seremos todos heróis. E a realidade confirma-o em todas as latitudes.


Amanhã, este longo Inverno emocional termina, mas não será a Primavera de um novo dia. Ainda há um eclipse duradouro até que possamos de novo tentar (re)viver num novo paradigma em que, os alicerces de tudo quanto considerávamos adquirido, deixou de ser. Como se o verbo fosse agora uma eterna dúvida.


Tenho sérias dificuldade em olhar da mesma forma para muitos rostos cuja leitura dos últimos meses foi uma verdadeira decepção. Não sei se consigo ter a mesma lhaneza de tracto para com quem, este sobressalto (chamemos-lhe assim) foi um exercício dolente, mas muito revelador. Mas por outro sinto uma certa nostalgia do tempo em que todos, eramos virtuosamente naïfs.

 

Talvez siga uma máxima existencial, e opte pelo silêncio. A mais pura forma de amor, e talvez um dia o olhar de quem se desligou  sinta suficientemente amaciado. Não é por orgulho ou vingança mesquinha, mas porque há todo um mundo para lá de quem nos fecha portas. Para lá da penumbra e da sombra, encontro a profusão de luz. Por cada teia que a tempestade eliminou há uma nova arquitectura, um novo horizonte de planos que irrompem.

Um admirável mundo novo, mas a mesma vida.

22/11/2020

..manta morta

 

Na natureza o elemento mais parecido com um partido populista é o cogumelo. Para se desenvolver dependa da manta morta em decomposição e quanto mais substracto orgânico maior a difusão de esporos. Desligando a componente biológica e mergulhando a fundo na indecência da realidade europeia, as movimentações nos extremos das democracias liberais (sejam eles da índole xenófoba e racista ou pregando ideologias de âmbito marxista,  leninista ou trotskista; pelo menos estes últimos tinham uma aura de vanguarda culturalmente mais evoluída, passe a ironia) constituem uma espécie de barreira intransponível para os valores básicos do humanismo (e em importante medida na tradição judaico-cristã que cimenta a construção da nossa civilização).



No caso concreto dos movimentos de extrema-direita, pasme-se, chegamos a um patamar quase imoralidade face aos direitos fundamentais do Homem. Como se duas guerras mundiais e respectivas consequências, o legado de morte e ódio, não foram suficientes para afastar de vez os adeptos do nacionalismo irracional.

Talvez seja este seja o Outono da democracia de valores, mas temos sempre se transforme num longo  Inverno, ainda que acredite ser funesto, o legado destes movimentos que se alimentam do medo, a ignorância e o desespero.

Como se não bastasse, o que se passa do outro lado do Atlântico em que a mentira passou a ser uma tendência e o ódio ao estranho uma crença, mais triste me sinto quando aqui nesta margem, se utilizam os mesmos argumentos e tácticas utilizadas pela propaganda nazi nos idos anos 30 do século passado: a “raiva latente” e o “ressentimento” de quem vive em situações de extrema debilidade, o ódio a uma determinada etnia, o desprezo sobre quem é de determinada raça, transformados em verdadeiros anátemas de uma sociedade que se quer pura , de pessoas normais. Mais ainda quando algumas forças políticas ditas sociais-democratas calcinam essas entidades, com o rótulo de moderados.

Perigoso. Acho que é a palavra certa. A radicalização do discurso contra determinadas franjas da sociedade são a manta morta que alimenta o fungo.

Só há duas formas de manter a coesão dos valores da democracia: a constante luta contra o extremismo e uma intolerância total de movimentos que perfilem essas ideologias.

 

Preservemos o espírito da liberdade como herança de todos os seres, de todas as terras, em todo o lado

Abraham Lincoln

11/10/2020

..nós vs eles

O sublime e o óbvio são factos tremendamente perigosos. É estranho o que se passa actualmente em Portugal e um pouco pelo mundo fora, em que a ideologia de extrema direita com a aura de populismo pop tem vindo paulatinamente a tomar conta das agendas de discussão, numa primeira abordagem e, com uma redobrada dose de marketings nas redes sociais, a tomar lugar na agenda política e, nalguns casos no controlo de governos.

O discurso é de facto bastante agradável e subliminarmente polido para ser quase libidinoso. Ilude e mascara uma realidade que há muito devia ter sido abolido, mas que, por insondáveis razões, mantém um conjunto de fiéis e ideólogos que operam na sombra de forma a dourar o discurso. O perigo para a democracia reside no facto de algumas das ideias e políticas que advogam puderem ser consideradas tão óbvias quanto normalizadas. Tal como nos anos 30 do séc. XX, este neo-nacionalismo, anti imigração, racista, xenófobo e homofóbico, tem um enorme impulso com crise económica de 2008 e nas repercussões das sucessivas vagas de refugiados na Europa - nós contra elesOs alicerces da política social europeia foram erguidos com base nos valores do humanismo, na liberdade, no multiculturalismo e na defesa intransigente dos direitos humanos. Tudo valores que vão contra a ordem natural defendida por estas novas seitas. O belo acalma, o sublime excita, e apesar de tudo há é pouca gente para dar por isso! Ou então caíram no engano de se deixar seduzir pelo factor novidade sem medir as consequências todo o racional sociológico que se esconde por detrás destas ideias aparentemente refrescantes.

Mais triste é quando nos apercebemos que, por cá, por detrás desta nova face da extrema-direita, estão rostos ligados a movimentos da igreja cristã, em clara oposição a tudo aquilo que defende o cristianismo.

Nem de propósito foi publicado este mês uma nova encíclica: Fratelli Tutti – que, por coincidência temporal, ou talvez não, anuncia-nos um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço; nele declara feliz quem ama o outro, «o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si». A fraternidade, esse conceito tão maçónico não tem a mesma química etérea que a violência e repulsa por tudo aquilo que é diferente – os outros não carregam a nossa marca.

O nós é, sem qualquer tipo eufemismo,  uma espécie de horror delicioso, que cresce até tornar-se algo gigantesco se não for quebrado. Como diria Newton, aquele que vê mais longe é aquele que se apoia nos ombros de gigantes. E de facto, é perturbador o que se vê e ouve hoje em dia, mais assustador, quando nos apercebemos que é tão óbvia a ameaça que paira no ar e no silêncio que gera em alguns sectores da sociedade acima de qualquer suspeita. 

...happy trails to you Eddie

 ..todos nós temos heróis! seja na arte, na literatura, na ciência, na política, no desporto, etc. No meu caso concreto ,era um indivíduo estranho, quase eremita, músico, o último dos guitar heroes. Complemente louco e extrovertido em palco, reservado no recato da vida privada. Vivia no estúdio que construiu nas traseiras da mansão em Los Angeles, onde estudava e construía as guitarras que utilizava. Tal como Hendrix, foi uma espécie de Deus da guitarra eléctrica. O mais estranho talvez fosse o facto de ser holandês: Edward Lodewijk Van Halen.

O resto são os milhares de memórias que tenho ao som da música que compôs.  

Neste momento está algures lá em cima, a tocar alguns riffs com sua Frankenstein, com o cigarro preso nas cordas. As lendas são eternas.

Happy trails to you Eddie...



25/07/2020

..uma questão de gosto


... a democracia não está uns segundos mais próxima da órbita do perigo só pelo facto de deixarmos de ter os debates quinzenais na AR. Pelo contrário, basta ter estado atento ao último para entender que o modelo foi erodido com o tempo e deixou de fazer qualquer sentido. Num aspecto quer PSD quer o PS têm razão: é mesmo necessário preservar o que resta da dignidade da AR perante a opinião pública.
O cerne do problema talvez seja outro: a asfixia em termos de qualidade dos tribunos que elegemos. Talvez tenha sido um azar temporal ter acompanhado desde muito novo, grandes debates, antes e depois dos governos do Prof. Cavaco Silva (paladino da representatividade da AR; com uma pitada de ironia). Não vale a pena elencar nomes de ilustres oradores que por lá passaram, pois, a história já se encarregou de os colocar na prateleira respectiva -vulgo arquivo histórico, em zona com temperatura e humidade controladas.
Para quem gosta de cantares ao desafio e lutas de galos, o modelo actual assentava que nem uma luva, ainda que por vezes tenha resvalado para o lado do romance como foi o pretérito. O tempora! O mores!
Mais do que o escrutínio - essa palavra tão amada, mas que depressa se tornou vaga, os debates quinzenais raramente confluem em algo palpável ou útil para os eleitos, tendo-se tornado de forma abusiva – maxima culpa – uma coreografia de soundbytes e jingles de noticiário para deleite de comentadores.
Talvez fosse hora dos senhores deputados fazerem um acto de contrição pelo mau desempenho, e quiçá talvez um dia descubram que o problema do modelo não era o facto de obrigarem o PM e restante executivo, a maçada de se deslocarem ao hemiciclo para serem confrontados com uma rajada de questões (todas elas eminentemente cruciais para o destino da Nação), mas o simples facto de as respostas , raramente terem o nível que se exigia comme il faut e no final do debate juntos, se encaminharem para um merecido repasto, como se nada se tivesse passado. Quando a argumentação é má, o esforço da contra-argumentação será inevitavelmente mínimo - a pegada ecológica agradece.
Para os autos ficam alguns debates (poucos) desde que o José Seguro teve a idiota ideia (com o devido remoque para o senhor PM) de os acrescentar ao regimento. Aguardamos com redobrada expectativa os (co)mensais sectoriais para calibrar de novo a qualidade da ementa parlamentar.   

12/07/2020

Color me blind



Num momento em que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa navega num bote à deriva, ao ritmo do caudal da corrente alternada com que magnetiza o seu discurso, acho simpático distrair os lisboetas e os pouco turistas que por cá vagueiam com ruas pintadas em tons de arco-íris! Espero sinceramente que os serviços do urbanismo tenham em atenção as elementares regras em termos de tons das fachadas e compatibilidade com as caixilharias. Já agora uns graffitis para dar um cunho ainda mais moderno?

Neste momento não sei o que é mais nocivo: se as listas vermelhas na Europa, se o AL ou o Airbnb, mas tenho a certeza de uma coisa: a atitude titubeante do Governo e a subserviência aos países ditos “amigos” é de bradar aos céus. Lá está é tudo uma questão de interpretação da cor. Neste particular somos daltónicos.

O sucesso do desconfinamento será sempre proporcional ao tamanho da recessão. Talvez. Seria verdade se cada um cumprisse aquela regra básica de utilizar máscara ou se cumprisse rigorosamente o isolamento preventivo nos casos referenciados pela literatura. Mas aparentemente é mais fácil deitar fora as máscaras verdes e azuis para o chão da rua, do que sofrer a humilhação de as utilizar junto dos seus pares. Colocar no caixote do lixo jamais! E isso de ficar em casa a ver a tonalidade das paredes não é opção quando numa esplanada se está verdadeiramente melhor.



Há uns anos atrás, um banco em tons de verde colapsou e transformou as nossas vidas num buraco negro que ainda hoje não se vislumbra. Se alguém souber do paradeiro de uma das auditorias – basta uma - que entretanto foram produzidas, que acenda uma pequena luz para termos alguma noção de decoro.

O Governo vai começar a monitorizar os discursos de ódio nas redes sociais. Não era preferível transferirem essas competências e esforço para ampliar as equipas que tentam fazer a despistagem epidemiológica nas Região de Lisboa e Vale do Tejo?

Tenho uma sugestão: passar as conferências de imprensa da DGS do horário de trabalho para antes do Preço Certo e reduzir o número de intervenções. É uma opção win-win:  a DGS tem mais umas horas para actualizar as listas excel em vez de utilizar o programa da OMS que é mais intuitito, user friendly e de borla e ainda, A família está toda reunida e podem discutir  o tema de uma forma mais ponderada e assertiva e, last but not the least ,a produtividade no trabalho aumenta pois são menos 10 minutos discutir as variações percentuais do dia anterior.

...gostava de sonhar a cores, mas é cada vez mais difícil quando a  realidade se revela em tons preto e branco.

03/05/2020

...(a)norma



Parecia um ano completamente banal, pelo menos era essa a ameaça. Recordo-me vagamente que uma das resoluções era mesmo não planear nada [premonitório]. Nos primeiros dias de Dezembro as notícias que vinham da China começavam a levantar a ponta do véu daquilo que seria algo completamente disruptivo e devastador.

Primeiro a perspectiva de quem está longe e observa com natural espanto todos aqueles autómatos a construir um hospital de raiz em meia dúzia de dias, como se disso depende-se a sobrevivência da espécie ou tal significasse o último sopro de vida.

«E se este mundo for o inferno de outro planeta?»Aldous Huxley

Um pouco de forma jocosa, fazia-se o paralelo entre o investimento e obras públicas que por cá são uma eternidade e uma imensa fonte de corrupção, comparativamente com a celeridade e eficácia de um sistema comunista totalitário, desprovido de Tribunal de Contas, Código dos Contractos Públicos (CCP) e toda a carga “burocrática” e teias de relações que seria necessário ultrapassar para tal ser sequer imaginável. Já nem falo dos almoços.

Mas não. Estávamos todos enganados. Afinal era apenas por prenúncio de uma distopia que se transfigurou em realidade muito rapidamente.

Graças aos malefícios da globalização, dos  acanhados lugares dos voos charter e da dinâmica do turismo e da atractividade que o Velho Mundo Continente sempre teve por desgraças alheias [para mais informações consultar qualquer manual epidémico] aquela cidade que ficará pra sempre na nossa memória - Wuhan – era uma espécie de Hiroshima aqui mesmo lado.

As nossas vidas não são as mesmas. Somos personagens de uma ficção sem um guião.

«Que vida! A autêntica vida está ausente. Não estamos no mundo.»Rimbaud

As ruas são agora mares de silêncio. Onde se ouvia  adoce melodia da boémia, o crepitar da vida social, os afectos, os desalentos, o choro do desassossego, o murmurar da comunidade, agora é um mar de gente que se afasta aproximando, que lança um olhar desconfiado e um temor que transparece um medo heróico.

«Mesmo através do painel da janela fechada, o mundo parecia frio.»George Orwell

Enquanto caminho pelo jardim na esperança de ouvir por fim o ruído da Primavera que vingou o Inverno mas sem se anunciar ou ser comemorada, apercebo-me da geometria que todos os zombies [eu incluído] desenhamos no espaço – longas elipses que não se intersectam no tempo. O nosso mundo já não é plano, não há rectas, nem o calor das interseções, nem muito menos vidas paralelas. Somo corpos que giram em redor de um medo que nos atrai e nos repele. Não há o próximo, apenas a dor da distância.



26/01/2020

...tudo são números


“Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,/ não há nada mais simples./ Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.”
Alberto Caeiro
A social-democracia em Portugal confunde-se um pouco com o socialismo à moda portuguesa, pois ambos advogam a distribuição de dinheiro pelo Estado, ainda que no caso socialista, a devolução desse “investimento social” não seja uma preocupação, já que depois da catarse seguir-se-á sempre uma punção fiscal, ávida de obter esse diferencial nos anos seguintes.
O bom social-democrata [nos países nórdicos] multiplica funcionários, aumenta pensões, acrescenta subsídios, e acumula contratos e parcerias privadas. Privatiza com moderação, um pouco mais do que um socialista [daqueles que não seguem a religião à letra]. Se com os primeiros governos socialistas tivemos as prim
eiras reversões das nacionalizações do PREC, com os governos sociais-democratas 80-82 e sobretudo na década de 90, tivemos a maior entrada de funcionários públicos, a tal classe média que importava conquistar [“o centrão”].
Infelizmente [é dispensável a prova dos factos] para grande infelicidade nossa, o socialismo democrático (não confundir com o socialismo mais à esquerda) e social-democracia têm conduzido os destinos do nosso País nas épocas erradas.
Por exemplo, os primeiros governos socialistas do post 25 de Abril, [na, escala geológica serão os primeiros segundos entre o PREC e ao amanhecer os anos 80] até à chegada da primeira comitiva oficial do FMI, tudo parecia um “mar de rosas”, até que de um dia para o outro passamos a falar novamente sobre a crise [tema recorrente desde a batalha de São Mamede]. A entrada da comitiva da sra. Ter-Minassian, tinha como objectivo corrigir os desequilíbrios macroeconómicos, orçamentais e financeiros, em linguagem financeira, a bancarrota resultante do impacto da crise petrolífera e os devaneios económicos dos anos do PREC.
Em suma, o grande problema é o facto da social-democracia só chegar ao poder em épocas de crise, tal como sucedeu em 2011, depois do deslumbre dos governos socialistas.
A oratória financeira ensina-nos que em anos de contenção financeira, é prudente congelar ou diminuir a despesa pública e, em simultâneo implementar medidas de apoio ao investimento privado e exportações – ou seja apimentar um pouco de neo-liberalismo. E é exactamente isto que raramente foi feito, com a honrosa exepção da social-democracia e democracia cristã.
As [duras] medidas implementadas [com uma forte componente neo-liberal; doutrina delineada pela troika mas negociada pelo socialismo] tiveram um impacte demolidor na economia e na vida dos portugueses e de certa forma consumaram um corte com a trajectória de descalabro da economia portuguesa. Mas infelizmente a ortodoxia neo-liberal suplantou a social-democracia [é melhor nem referir qual a componente de doutrina social cristã, porque não houve] e acabou por ser vítima de si própria.
Em 2015, [qual Pilatos], o socialismo democrático lavou as mãos e facilmente tomou novamente as rédeas do poder, num golpe de mestre ao aliar-se com o socialismo ortodoxo, o mesmo que nos anos 70 ficou na gaveta. O trunfo da esquerda, sobretudo do socialismo é o facto de em Portugal, o partido social-democrata [exceptuando um curto período] não conseguir deixar de ser neo-liberal.
Não é preciso citar Thomas Piketty ou Joseph Stiglitz, para chegar à conclusão actualmente, para a maioria da sociedade portuguesa a social-democracia tem uma reduzida capacidade de gerar uma sociedade melhor. De facto, a narrativa central da social-democracia que aponta para a redução gradual das desigualdades não teve reflexos nas últimas décadas, pelo contrário.
Dado que o espaço do centro é hoje o feudo do socialismo, rapidamente se entende que o fracasso da social democracia e da democracia cristã [mais de direita], são o viveiro e o caldo ideal para a génese de de idelologias populistas e mais radicais.
O socialismo não é antídoto para as desigualdades sócio-económicas e a social-democracia não é uma corrente neo-liberal. O problema de Portugal é questão de números num tempo errado. E tempo é uma constante interminável.

31/12/2019

..the show must go on


A era em que caminhamos sem nos aperceber (ou quase conscientes do limbo) alimenta-se de uma realidade parcial, um pseudo-mundo que nos impõem, para o qual somos convidados a contemplar e tecer encómios pelo espetáculo que nos proporcionam.

Vivemos e respiramos imagens a uma velocidade impossível, somos bombardeados com a informação e desinformação de tal forma que, num abrir e fechar de olhos o passado está aqui na berma do precipício e o que o futuro nos apresenta é uma mão cheia de trivialidades, de nada.

A realidade é tão efémera como a sombra numa árvore num dia de céu azul metálico. Entender o nexo de realidade de todos os eventos de um ano, que fluem desligados e se fundem na mais perfeita harmonia é quase como tentar entender uma pintura surrealista com o primeiro olhar. Seria necessário, tempo para contemplar e respirar tudo, e isso esgota-se no tempo de escrever meia dúzia de linhas. Fica para amanhã.


 O fim de ano é disso um belo exemplo. Um espectáculo que cruza e mistura, para alguns, o desapontamento do ano que agora finda e a esperança que o próximo seja exactamente aquilo que foi mediatizado na imaginação há um ano atrás: No intervalo entre o pequeno-almoço e a meia-noite vivemos, conscientes, na mais perfeita alienação. O verdadeiro transforma-se no surreal.

Amanhã é apenas a continuação de há um ano, e nada mais do que isso.
...até já.  

28/12/2019

..distopia


É cada vez mais difícil saber distinguir a verdade da mentira para quem consulta das redes sociais ou mesmo os media, seja em versão, jornal pendurado no quiosque de rua ou na mais ecológica página online, sempre actualizada. Não que as notícias tenham um qualquer delay por falta de tinta na rotativa do portal na net website, mas porque atravessamos um tempo em que os media, começam a deixar de cumprir a sua função neutral no espectro das operações sociais, e estão cada vez mais reféns de uma lógica que se esgota naquilo que o consumidor quer ler ou precisa de ler.
Apesar de estarmos ainda longe da distopia orwelliana do ‘1984’, o grande inquisidor, o pai que nos protege já espreita, ainda que mascarado por coisa tão fúteis como audiências, pressões políticas ou a necessidade de garantir dividendos do accionista.
Paulatinamente caminhamos, cegos, para uma racionalidade acéfala em que a liberdade de imprensa perde significado e terreno. Com isso, a nossa forma de interagir em sociedade, de manifestar auto-crítica, de cumprir a cidadania esvai-se perante a imposição de um novo normal, o facto verosímil. A realidade perde todo o sentido, quando o espaço público é manipulado e instrumentalizado. Perdemos a noção da realidade, mas ganhamos a ilusão como agentes passivos, indiferentes, sem tempo para questionar, sem direito, muitas vezes ao contraditório.
Se é esta a revolução digital, da comunicação, da informação e da cultura das apps, da IoT, em que a cultura de massas prevalece, em que a crítica se desmorona face à ideologia do que deve ser correcto, polidamente asséptico, em que a independência se transforma num fantoche articulado , então regressemos às velhas rotativas do séc.XX, pois não é este o caminho que devemos trilhar.
A beleza da utopia começa a ser ocupada pela artificialidade da distopia.



25/11/2019

"Só quer a vida cheia quem teve a vida parada "

...acho que é a primeira vez que evoco o 25 Novembro, pelo menos aqui neste submundo. Lá fora apregoou anualmente com a devida vénia, lembrando todos aqueles que lutaram para que a democracia imperasse perante a ameaça do totalitarismo. E é isso mesmo que representa o 25 de Novembro - uma cena muito importante, no contexto de uma obra maior- o 25 de Abril. Sempre entendi que o 25 de Abril foi o início de uma caminhada rumo à construção de uma sociedade democrática. 

Se vivemos uma  democracia imaculada, isso é outra estória que ainda não consigo descortinar, mas cuja a formulação reservo algumas dúvidas bem fundamentadas.


 Não querendo minorar a importância da data, pois houve outro actos igualmente importantes e decisivos no período pós" dia inicial inteiro e limpo", lembrar o 25 de Novembro é fazer com que não caia no esquecimento. Não é necessário feriado, evocação na AR, parada militar, discursos, eu sei lá. Basta falar sobre ela. Falar é recordar.

Os pais estava fracturado entre dois pólos inconciliáveis, de um lado a extrema-direita, espetro resiliente do Estado Novo, sedenta de sangue e pelo outro uma extrema-esquerda anárquica que saia da esfera de controlo férreo do Partido Comunista. O 25 de Novembro colocou cobro a isto - nem um Norte casto e puritano de direita, nem um Sul abaixo de rio maior pecador e comuna.  Nem Norte nem Sul, apenas Portugal.

A história já se encarregou de dignificar alguns dos rostos do 25 de Novembro. Talvez não todos, mas sem quaisquer juízos de valor, quando se evoca um chefe militar homenageiam-se todos os subordinados e todos aqueles que estiveram do seu lado.

Se o objectivo é assinala com grande pompa e circustância, com ao encómios do costume o 25 de Novembro, estenda-se a passadeira, mas de caminho evoque-se com igual cerimonial a aprovação da Constituição de 2 de abril de 1976 - marco igualmente fundamental do nosso processo democrático. 

24/11/2019

..silêncio


...há um silêncio agradável que vem do lado de fora e que se confunde com a modorrenta chuva que intervala o nevoeiro. Estes são os dias que nos fazem perscrutar os pensamentos. Em que cada abrir e fechar de olhos é como a luz de um farol ao anoitecer, e o respirar, um sussurro longo e profundo. Um grito.