16/11/2009

...lágrimas do céu!


...podia ter chovido um pouco menos, mas alguém bem colocado no departamento de superfícies frontais fez o favor de destacar logo duas bem carregadas, no preciso instante em que cruzava a A3 no sentido de Ponte de Lima.


NOTA: informar a BRISA para as armadilhas mortais que constituem os lençóis de água que se formam em parte do traçado (mesmo com sulcos, pasme-se!!) da A3 devido à quase inexistente drenagem transversal!


Após um belo jantar na Mealhada em que demos de caras com um leitão desprevenido, rumamos por entre a escuridão da noite, com chegada programada para hora incerta, no destino sempre aguardado com enorme saudade. Apesar de só terem passado quase três meses, a sensação que nos invade quando abrimos o vidro do carro e aspiramos o doce ar da montanha, é a mesma que as primeiras gotas do degelo sentem quando por fim se libertam do frio do inverno. Que bom!...A noite estava fria, não tanto como se suponha nesta altura do ano. Mas só de manhã quando os olhos se entreabrem ao som do chilrear do outono é que nos apercebemos que, de facto o fio lá em cima tem outro sabor. Felizmente o pequeno almoço já estava feito, cortesia da mummy, e sem que nada o fizesse prever, lá fora a chuva continuava a magoar a vontade de sair e poder enfim espreitar o fim as folhas que o tempo amareleceu, a castanhas que os ouriços não magoaram, e as azeitonas que o vento não deixou colher. Entretanto parar de chover e num ápice, lá fomos à vila comprar o Expresso, ver a infame mensagem da máquina do euromilhões e saborear uma conversa por entre dois dedos de um café e um bolo. Ali, sentados à beira mar, tem outro sabor. De caminho uma fotografia e uma mensagem lá para baixo, com um pedaço de um rio alagado. Entretanto , e para não estragar o fim de semana, começara novamente a infatígavel borrasca, que tudo alagava, e sem demorar de novo de volta para o aconchego da lareira. O almoço já se anunciava, e depois de experimentar o vinho novo, de novo para o velho alentejano que outros sabores trás ao paladar (desta feita não foi d'ouro). Um bacalhau bem grelhado na brasa, com umas batas ao murro, casam bem com a broa que a tia amassou (trouxe para baixo metade e tão depressa como veio, mais depressa se vai já em meio).

Entretanto dia escurecia, enquanto as nuvens negras realçavam o triste manto de cores quentes que a terra se encarrega de agradecer. à noite as conversas com o verbo pretérito, por entre risos e cantorias. È sempre bom olhar para trás e melhor ainda é recordar ao som das castanhas que nas brasas da garvalha estalavam estórias do antigamente com sabor quente. à noite, por entre uma última leitura um, um cálice de porto, também ele dos velhotes (este sim d'ouro).
Escusado será dizer que, ao longo da noite apenas se ouvia a chuva e o vento. E nada mais. Nem a chaminé que a lenha consumia, ousou tamanha veleidade em fazer-se ouvir com com igual intensidade.
A manhã acordou tardia, para espanto do candeeiro que ficou aceso, no meio de uma revista mal lida entrelaçada com a almofada. Curiosamente, lá fora chovia.
Era hora de descer ouvir a azáfama típica do domingo. Por entre tachos e panelas, com o lume a crepitar, o almoço de despedida já se conseguia adivinhar. O domingo é sempre o dia em que o sino mais toca, mas a visita já tinha sido feita na véspera. Que bem que cantam as raparigas do coro. Lá de cima, no lugar onde só os homens se sentem, o sino ouve-se mais alto, e o vento que pela escadas íngremes se eleva, sopra mais frio e invernal. Lá dentro, obviamente não chovia, mas lá fora, alguém se encarregava de tal.
Voltando ao domingo esse dia sempre alegre (mas triste), a despedida estava marcada, e novo rumo nos levava à certa, por entre a bátega de água que insistentemente se fazia sentir nas telhas que nos abrigavam nesses últimos pedaços de saudade. Chegada a hora, era tempo de descer a montanha, com a mesma tristeza que quem do seu rio de despede. Choviam, lágrimas no rosto envelhecido pelo tempo, sempre aquela sensação de ser a última até à próxima.
Escusado será dizer que passadas 4 horas, e uma fugaz paragem em Leiria, ainda chovia. Estranhamente, hoje de manhã quando sai, continuava a chover.


1 comentário:

Sofia Carvalho disse...

Consegues compreender os sabores do norte, os cheiros e ouvir o vento na chaminé, certamante também sentirás isto:
Que sentimento é esse que temos quando vamos de carro e nos afastamos das pessoas e elas vão diminuindo de tamanho na planicie até vermos as suas manchas dispersar? É o mundo demasiado grande e a pesar-nos, é o adeus. contudo, curvamo- nos avançando para apróxima aventura debaixo do céu...

Jack Kerouac